Do sonho da casa própria ao pesadelo político: o futuro de Portugal

Por Alfredo Valente, CEO da iad Portugal

Um ano após o improvável ter acontecido — uma minoria parlamentar conseguir formar governo e aprovar o Orçamento de Estado — eis que a instabilidade regressa. A queda do Governo, precipitada pela polémica em torno da empresa da família do ex-Primeiro-Ministro e pelo chumbo de uma moção de confiança, instala um novo período de incerteza.

O setor da habitação e do imobiliário, este ano, foi marcado por duas fases distintas. A primeira caracterizou-se pela reversão de medidas do governo anterior, em linha com as promessas eleitorais da coligação governamental. Entre elas, destacam-se o fim do arrendamento coercivo de casas devolutas, o descongelamento das rendas e a flexibilização das regras para o alojamento local.

Já na segunda fase, com um contexto macroeconómico diferente — convém recordar que o programa “Mais Habitação” do governo de António Costa foi aprovado num contexto de taxas de juro elevadas e poder de compra muito diminuído em função da inflação —, o Governo apostou em medidas de impacto real. Foram criadas isenções fiscais (IMT e IS) e garantias públicas para financiamento a 100% na compra da primeira habitação por jovens com menos de 35 anos. Mais recentemente, a chamada “Lei dos Solos” foi aprovada com o objetivo de disponibilizar terrenos a preço moderado, permitindo aos municípios converter terrenos rústicos em urbanos. No entanto, após debate no Parlamento, a legislação sofreu alterações profundas que acabaram por a tornar quase inócua.

Num último esforço, o Governo também anunciou um reforço na construção de habitação pública, somando 33.000 novas habitações financiadas pelo Orçamento de Estado às 26.000 previstas no PRR desde a gestão de António Costa.

Contudo, fica no ar um sentimento de insuficiência, especialmente pela não concretização da prometida redução do IVA para 6% na construção — uma medida crucial num contexto de subida dos custos dos materiais devido às tensões globais.

Esta crise política é tudo o que o setor da habitação em Portugal não precisava. Resta agora aguardar pelo debate eleitoral para perceber qual o futuro das políticas de habitação e se as soluções necessárias serão finalmente implementadas.

Para além disso, o impacto desta incerteza política pode traduzir-se numa retração do investimento no setor da construção. Com um futuro governativo incerto e a ausência de medidas concretas a longo prazo, promotores imobiliários podem hesitar em avançar com novos projetos, agravando a escassez de oferta habitacional.

A instabilidade também afeta diretamente as famílias portuguesas, que se vêm cada vez mais pressionadas por rendas elevadas e pela dificuldade de acesso ao crédito habitação. Sem garantias sobre futuras medidas de apoio ou estabilização de preços, muitas pessoas adiam a compra da sua primeira casa, perpetuando o ciclo de incerteza e dependência do mercado de arrendamento.

Por outro lado, esta crise abre espaço para que os partidos apresentem propostas concretas e estruturadas para o setor da habitação nas próximas eleições. O próximo governo terá o desafio de conciliar a necessidade urgente de habitação acessível com o incentivo à construção e ao investimento privado, garantindo que o setor continue a crescer sem prejudicar os cidadãos.

A expectativa é que o debate eleitoral traga à tona soluções realistas e eficazes para enfrentar o problema da habitação. Resta saber se as promessas feitas em campanha se traduzirão em medidas concretas ou se, mais uma vez, o setor ficará refém de disputas políticas e da falta de decisão governativa.