Como sobreviver aos sintomas do burnout: Os 10 mandamentos da saúde mental para uma carreira de alta performance

Opinião de: Luís Rasquilha, CEO do Ecossistema Inova. Board Member/Non Executive Diretor (NED) da Mercur, da NTT Data Brasil e da Maza Tarraf. Advisor na AMARNA VIDA (Irlanda). Conselheiro da Diáspora Portuguesa. Professor convidado na FIA, FDC, Hospital Albert Einstein e ESALQ/USP. Colunista do MIT Sloan Review Brasil e Executive Digest Portugal. E: Carolina Garcia, mentora, comunicadora e sobrevivente do burnout. Após mais de 20 anos atuando em grandes players do mercado de publicidade e marketing, ela enfrentou um colapso emocional que a levou a repensar sua carreira, sua relação com o trabalho e consigo mesma. Hoje, dedica-se a ajudar profissionais a se reconectarem com sua verdade, potência e saúde emocional — mantendo a performance, mas sem se perder no caminho.

Não é sobre não trabalhar, não entregar ou fazer corpo mole — é sobre exagerar, viver só para isso e anular todos os outros aspectos da sua vida.

Durante muito tempo, o “dar conta de tudo” foi exaltado como virtude. Muitos profissionais aprenderam a sobreviver assumindo tudo sozinhos, na base do “deixa comigo”, vivendo só para o trabalho e anulando todos os demais aspectos da vida. Essa postura, embora valorizada, cobra um preço alto: o corpo adoece, a mente se sobrecarrega e a alma se cala. Sem mencionar que famílias se desfazem, amigos vão embora e você se vê casado com o trabalho, ou seja, sozinho.

Este artigo nasceu dessa consciência, após a escrita de um ebook sobre o tema. A reconstrução não é fácil — envolve rever crenças, buscar apoio, encarar emoções e redescobrir o que realmente importa. É possível ter sucesso com leveza, ser reconhecido sem se esgotar e entregar resultados sem abrir mão da própria vida. Você não precisa de mais um manual de produtividade. Nem de mais uma fórmula de sucesso vendida em frases de efeito no LinkedIn. O que você precisa é de um novo olhar sobre a forma como se relaciona com o trabalho.

O mundo que nos adoece

Vivemos em um sistema que nos faz acreditar que o problema está em nós — que somos sensíveis demais, fracos ou incapazes de lidar com a pressão. Ou que apenas quem aguenta tudo sem reclamar é competente. Mas essa autocobrança esconde uma verdade incômoda: existe um ambiente corporativo que normaliza o desequilíbrio, glorifica a produtividade extrema e descarta quem não consegue acompanhar o ritmo, tornando a Síndrome de Burnout uma epidemia silenciosa que precisa ser enfrentada com urgência.

Os dados não mentem:

  • 48% dos trabalhadores de oito países relataram estar enfrentando a Síndrome de Burnout.
  • 40% da força de trabalho global aponta a Síndrome de Burnout como um dos maiores motivos de preocupação.
  • O Brasil ocupa o segundo lugar mundial em diagnósticos da Síndrome de Burnout, ficando atrás apenas do Japão, onde 70% da população é afetada.
  • Entre os jovens líderes, 54% já passaram por esgotamento severo.
  • 63% dos trabalhadores disseram ter trabalhado mais de 40 horas por semana nos últimos 12 meses.
  • O número de afastamentos por transtornos de saúde mental, incluindo a Síndrome de Burnout, atingiu o maior patamar em 2023 com um aumento de 136% em relação a 2019, impulsionado pela pandemia.

Segundo a OMS, o Burnout não é só excesso de trabalho — é o acúmulo de pressões sem suporte emocional, humano ou organizacional. Ele nasce do estresse crônico, da dificuldade de dizer “não” e do medo constante de falhar ou decepcionar. Esse padrão de agradar e se calar sustenta a sobrecarga e apaga os limites entre vida e trabalho.

  1. Não é pessoal

É comum levar críticas, conflitos, olhar atravessado, feedback mal-dado tudo para o lado pessoal. Mas, na maioria das vezes, eles dizem respeito ao que você faz — não a quem você é. O ambiente corporativo funciona com base em funções e resultados, não em afeto ou justiça. Aprender a separar sua identidade do seu desempenho é essencial para preservar sua saúde emocional.

  1. O que é raro é mais caro

A verdade é que quanto mais você se entrega sem limites, menos valor você tem. O que é raro é mais caro — inclusive no trabalho. Aceitar todas as demandas, a qualquer hora, mesmo exausto, parecia demonstrar comprometimento e confiabilidade. Mas, na prática, essa postura costuma resultar em sobrecarga e pouco reconhecimento. Respeito nasce dos limites que você impõe. O seu tempo e sua energia são preciosos. Aprenda a dizer “não” com firmeza e clareza. É assim que você ensina os outros a te valorizar.

  1. Controle é ilusão

Você não controla tudo — e tentar fazer isso só aumenta o sofrimento. Muitos se esforçam para gerenciar cada detalhe — prazos, resultados, impressões alheias — e, quando algo sai diferente do esperado, tentam consertar ou refazer, carregando uma carga enorme de frustração. A verdade é que não se pode controlar o que os outros pensam, fazem ou como reagem. O único controle real está nas próprias ações. Insistir em controlar o incontrolável é um peso desnecessário que gera sofrimento e desgaste.

  1. Jogue o jogo certo

O mundo corporativo é um jogo infinito. Você não “vence”. Não tem fim. Você joga todo dia o mesmo jogo. O objetivo não é vencer, mas permanecer — com consistência, inteligência e propósito. Quando você encara cada situação como uma batalha a ser vencida, entra em modo de defesa, se desgasta e pode até se afastar das pessoas. Mas quando entende que o jogo é contínuo, muda sua postura: escuta mais, colabora mais, escolhe melhor suas batalhas e age com mais leveza e visão de futuro. É libertador não ter que entrar numa reunião (batalha) para vencer. Faça o teste.

  1. Nunca sangre em um tanque de tubarões

Vulnerabilidade é força — mas só em ambientes seguros. E nem todo ambiente é seguro. No mundo corporativo, infelizmente, ainda existem muitos espaços onde mostrar fragilidade é dar munição ao inimigo. Onde compartilhar uma dúvida pode virar motivo de julgamento. Onde desabafar pode ser interpretado como desequilíbrio. Portanto, cuidado. Nunca sangre em um tanque de tubarões. Lembre-se: seu amigo hoje pode ser seu chefe amanhã.

  1. Descanso é estratégia

Descansar ainda é visto como tabu em muitos ambientes — como se parar fosse sinônimo de preguiça ou fracasso. A pressão por estar sempre disponível e produzindo faz com que a culpa tome o lugar do autocuidado. A verdade é que ninguém aguenta funcionar no limite por tempo indeterminado. Quando ignoramos os sinais do corpo e da mente, o resultado é colapso. Descansar é um ato de coragem. É reconhecer seus limites, abrir mão do controle, entender que não dá para salvar tudo — e que você também importa.

  1. Valor não é performance

Aprendemos a confundir nosso valor com o que entregamos — como se esforço e desempenho definissem quem somos. Mas essa lógica se torna uma armadilha muito rapidamente: passamos a viver em função de provar nosso valor o tempo todo, e qualquer erro abala nossa identidade. Só que você não é a sua produtividade. Seu valor (e seus valores) não está na última entrega, nem no reconhecimento externo. Ele é constante, pessoal e intransferível. Lembrar disso exige autoconhecimento, limites claros e uma vida que vá além do trabalho.

  1. Conhecimento técnico é prata, comunicação é ouro — e autoconhecimento é tudo

A frustração muitas vezes nasce da expectativa de que os outros percebam o que precisamos sem que digamos nada — mas ninguém adivinha o que você não comunica. Falar com clareza exige coragem, mas só é possível quando você se conhece de verdade. O autoconhecimento é o que dá clareza às suas emoções, limites e necessidades, permitindo que você se posicione com verdade e saia do piloto automático de querer agradar o tempo todo para, enfim, viver com autenticidade.

  1. Pedir ajuda é força, não fraqueza

A verdade é que ninguém cresce sozinho. Pedir ajuda não é sinal de fraqueza — é maturidade. É reconhecer seus limites com respeito. É confiar que há pessoas dispostas a apoiar, orientar, dividir o peso. E o mais importante: você não precisa esperar chegar ao limite para buscar suporte. Você pode (e deve) se cuidar antes do colapso. Tudo começa com um passo simples e poderoso: admitir que não está tudo bem — e acolher isso com gentileza. Só tenha cuidado com os tubarões.

  1. Não é sobre resistir — é sobre transformar

Durante muito tempo aprendemos que resistir era a única opção: resistir ao ritmo, às cobranças, ao cansaço, às dores físicas e emocionais, engolir sapos. Aguentar era visto como força. Mas resistir demais endurece. Desconecta. Adoece.

Transformar não é desistir — é fazer escolhas conscientes, com presença e coragem. É questionar o automático e se permitir evoluir. O que trouxe até aqui foi o instinto de sobrevivência. Mas o que leva adiante é consciência. É verdade. É transformação. Esse não é um ponto final, é um ponto de partida: para viver e trabalhar com mais sentido, mais leveza e mais cuidado.