As preferências locais na alteração ao Código dos Contratos Públicos: o que é nacional é bom?

Ricardo Maia Magalhães, Advogado e responsável pelo Curso de Especialização em Contratação Pública do Iscte Executive Education

 

Com a aprovação da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, implementou o legislador um conjunto de medidas especiais de contratação pública, aproveitando a oportunidade para introduzir uma série de alterações ao Código dos Contratos Públicos.

Como elementarmente se intui, tais alterações não deixaram de provocar a previsível celeuma que sempre se segue a uma mudança, tendo motivado um conjunto de críticas que terão toda a razão de ser.

Especialmente polémica foi, sem dúvida, a opção do legislador de ampliar a exceção legal que possibilita reservar a participação, enquanto concorrente ou candidato, a um conjunto pré-delimitado de operadores económicos. Concretamente, passa a ser possível que determinados contratos apenas possam ser adjudicados, por um lado, a operadores económicos que constituam micro, pequenas ou médias empresas e, por outro lado, que tal reserva se estenda ainda a operadores com sede e atividade efetiva no território da entidade intermunicipal em que se localize a entidade adjudicante

Com efeito, e ainda que se louve a intenção do legislador de reservar contratos a favor de micro, pequenas ou médias empresas – numa clara tentativa de apoiar e impulsionar o tecido empresarial de pequena dimensão, amplamente maioritário na economia nacional –, tal estado de graça não se estende – nem poderia estender, por imperativo legal nacional e europeu – ao favorecimento de um determinado operador económico com fundamento na localização geográfica da sua sede ou atividade efetiva.

Deste modo, e ainda que se compreendam as intenções de proteção do tecido económico nacional e local que o legislador procurou verter em texto de lei, não pode deixar de se fazer notar que a presente reserva viola, de forma quiçá grosseira, os princípios da não discriminação em razão do território e da igualdade de tratamento, os quais assumem um papel absolutamente basilar em matéria de contratação pública.

Com efeito, as preferências nacionais e regionais que a presente disposição visa permitir não se coadunam com as exigências de um mercado que se pretende aberto e concorrencial ao nível europeu – afinal de contas, a União Europeia não servirá apenas como mero recetáculo de pedidos de financiamento!

A questionável compatibilidade desta opção legislativa face aos Tratados que vinculam o Estado Português não escapou ao olhar atento da Comissão Europeia.

Recentemente, no âmbito do pacote mensal de processos de infração, o órgão executivo europeu conferiu um prazo de dois meses para que Portugal viesse prestar esclarecimentos acerca da conformidade da sua legislação nacional (leia-se, das alterações promovidas ao regime de contratação pública) com as regras da União Europeia em matéria de contratos públicos, concretamente no que se prende com “o recurso à adjudicação direta de contratos, aos procedimentos acelerados, às preferências locais e regionais e à modificação dos contratos”.

Pois bem, a extensão deste regime excecional, nos moldes anunciados, será difícil de justificar, na estrita medida em que se revela contrária a uma miríade de decisões jurisdicionais europeias que, sem grande surpresa, negaram expressamente tal prerrogativa a vários outros Estados-Membros… No fundo, algo que todos saberíamos se nos debruçássemos sobre o tema em apreço, mas que os nossos decisores parecem desconhecer.

Assim, este pedido evidencia uma realidade para a qual temos vindo a alertar (à exaustão, crê-se) e que se prende com a patente necessidade de formação especializada nestas matérias – que sai por demais comprovada quando é o próprio legislador quem é chamado a esclarecer determinadas disposições do ordenamento jurídico português e a sua conformidade com as disposições europeias.

 

 

 

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