Apagão: Novidades tecnológicas no armazenamento energético
Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros
Este recente apagão deixa-nos muito sensíveis para as questões energéticas. Se pudéssemos armazenar eletricidade tal como armazenamos, por exemplo, alimentos ou combustível, seria o ideal… mas não é possível nesses moldes. Por isso vou tentar dar uma nota positiva e falar de algumas novidades tecnológicas relacionadas com o armazenamento energético.
O armazenamento de energia é um processo através do qual se armazena a energia produzida anteriormente num sistema, pelo que desempenha um papel crucial no avanço das energias renováveis. No que se refere à eletricidade é necessário que esta seja convertida noutros tipos de energia, como mecânica, química ou térmica, para que possa ser armazenada. Como algumas fontes de energia renováveis são intermitentes, como a solar e a eólica, torna-se cada vez mais necessário encontrar formas de armazenar a energia produzida em excesso para que haja uma quantidade suficiente para responder à procura em certos períodos.
Alguns dos principais impactos do armazenamento são a estabilidade (contrariando a intermitência) associada a flexibilidade e resiliência da rede (resposta rápida a interrupções e flutuações), a redução de dependência de energias fósseis (nomeadamente para situações de backup), o aumento da penetração das renováveis (por integração de maior quantidade de renováveis) e mesmo a economia (ao permitir uso mais eficiente das infraestruturas e menor necessidade de backup).
Estimativas apontam para que o mercado global de armazenamento de energia deva crescer mais de 26% em 2025, passando de cerca de 175 GWh para cerca de 222 GWh. Este crescimento é, naturalmente, impulsionado pelo aumento da procura de energia sustentável, mas também por avanços tecnológicos neste domínio.
Relativamente a este último aspeto, é agora feita uma resenha, naturalmente não exaustiva, de algumas novidades tecnológicas, embora algumas já em desenvolvimento há algum tempo, que vão sendo consideradas e que podem dar uma ideia da evolução que está a ocorrer neste domínio:
- baterias de ferro-ar e baterias de sódio que são uma alternativa económica e sustentável às baterias de ião de lítio;
- baterias de gravidade, nomeadamente com inovações tecnológicas, que utilizam a energia para levantar pesos gerando eletricidade quando estes baixam por ação da gravidade;
- baterias de fluxo para armazenamento por períodos superiores a oito horas, em desenvolvimento; nestas o eletrólito líquido está contido em reservatórios e é bombeado entre os elétrodos onde ocorrem as reações de carga e descarga; as baterias de fluxo têm uma vida útil mais longa do que as baterias de lítio;
- armazenamento térmico em sais fundidos (centenas de ºC), areia, rocha ou betão;
- armazenamento térmico em carbono elementar sólido (blocos) que suporta temperaturas ainda superiores (2000ºC) às do armazenamento anterior; este pode ser obtido como subproduto da produção de hidrogénio a partir de biogás ou gás natural;
- processos de captura de dióxido de carbono para ser usado, por exemplo, como matéria-prima em posteriores processos químicos para a produção de combustíveis sintéticos;
- utilização de novos materiais de armazenamento térmico com armazenamento trimodal, com um nível de eficiência e de desempenho excecionais; o material (de baixo custo e “amigo do ambiente”) armazena calor sensível à medida que aquece e, por fusão, os componentes sofrem reação química que armazena ainda mais energia, reação que é reversível sem degradação do material;
- bateria de Carnot que converte energia elétrica em energia térmica que se armazena, ou usa energia térmica excedente de processos, e a reconcerte em eletricidade quando necessário;
- armazenamento mecânico de energia em ar comprimido ou ar líquido; em ambos os casos, o ar pode ser substituído por outros gases, em especial o dióxido de carbono; a energia usada para a compressão é libertada quando o fluido é descarregado sendo também possível armazenar o calor e o frio que são desenvolvidos durante as fases de compressão e expansão do ar;
- sistemas de armazenamento de energia cinética, como os volantes (flywheels) de inércia, nomeadamente com inovações tecnológicas, nos quais um motor elétrico aciona um cilindro rotativo em alta velocidade e depois na desaceleração a energia libertada durante a travagem é transmitida a um gerador de eletricidade.
Saliente-se que no caso da captura de dióxido de carbono, foi anunciado em fevereiro o primeiro projeto em Portugal, realizado pela Valorsul, entidade responsável pela gestão dos resíduos urbanos da Grande Lisboa e região Oeste. Este projeto-piloto na Central em S. João da Talha recorre à tecnologia Hyperion. No caso das baterias de fluxo (vanádio), existe uma instalação-piloto na Universidade de Évora.
Para se ter sucesso na transição energética devem ser adotadas tecnologias que sejam não apenas duradouras como também economicamente sustentáveis. Se conseguirmos armazenar a energia de modo mais eficaz tornamos as energias renováveis mais fiáveis e aceleramos a descarbonização.
Estas tecnologias emergentes poderão ajudar o armazenamento de energia a ser mais eficiente, sustentável e acessível, contribuindo para a transição para um futuro energético que todos ambicionamos… ou, pelo menos, quase todos!