A remodelação do mercado elétrico europeu: o primeiro passo em direção à evolução
Por Meritxell Arús, Global Marketing Leader, Schneider Electric Iberia
A recente aprovação da remodelação do design do mercado elétrico da União Europeia (UE) foi um primeiro passo muito necessário para a transição para um sistema energético mais sustentável e resiliente. A crise energética e a necessidade de proteger os cidadãos face a futuros cenários de inflação aumentaram a urgência, para a agenda política, de empreender esta renovação. Contudo, subjacentes a esta necessidade estão duas grandes tendências às quais a Europa tem de dar resposta: a necessidade de alcançar uma taxa de eletrificação do sistema energético de cerca de 60-70% até 2050 – sendo que atualmente estamos um pouco acima dos 20% – e, por conseguinte, também a necessidade de estabelecer mecanismos que permitam voltar a incentivar a construção de capacidade de produção renovável. Para além de tudo isto, sobra-nos ainda a necessidade de digitalização.
A remodelação de que falo centrou os seus esforços iniciais – não se pode ignorar que foi levada a cabo ao longo de pouco mais de um ano! – em reduzir a volatilidade dos preços, impulsionando os contratos por diferença e aumentando o compromisso dos governos para com a promoção e facilitação dos Acordos de Aquisição de Energia (PPAs). Esta remodelação define, pela primeira vez a nível europeu, o conceito de pobreza energética e proíbe a desconexão dos grupos mais vulneráveis. Um dos seus maiores sucessos é, talvez, o facto de estabelecer um mecanismo comum de resposta em caso de emergência, que será supervisionado pela União Europeia.
As bases para um sistema mais descentralizado, flexível e digital
O caminho para construir um mercado elétrico capaz de dar resposta a uma Europa descarbonizada é extremamente complexo. É necessário garantir a capacidade e estabilidade do sistema, favorecendo o armazenamento e as quotas de flexibilidade maiores – mas a remodelação já estabelece algumas iniciativas. A velocidade de adoção das mesmas e como estas se vão concretizar vai ser fundamental.
Em primeiro lugar, a nova medida facilita as comunidades energéticas entre pequenos produtores e faz aparecer a figura do organizador de consumo partilhado. Ainda assim, deixa à decisão dos países a possibilidade de grandes empresas poderem fazer parte de comunidades energéticas – algo determinante num mercado com tanta energia solar como o português, e que favoreceria o crescimento das microgrids –, dando assim maior capacidade, e ao mesmo tempo armazenamento e flexibilidade ao sistema.
Outro ponto importante é a remuneração de mecanismos que ajudem a aplanar os picos de geração e de procura de eletricidade, podendo acolher-se a partir dos 100kW. Embora esta medida seja fundamental para a flexibilidade, os governos vão ter de simplificar os processos para que os pequenos atuadores possam ser abrangidos.
Um dos grandes desafios para levar a cabo a modernização da rede – ou seja, dotá-la de mais inteligência, software e automação para poder gerir o aumento exponencial de recursos distribuídos e garantir alta variabilidade – era o modelo tarifário. A adoção de um modelo tarifário baseado no TOTEX – ou seja, nos gastos totais e não só nos investimentos CAPEX – era totalmente necessário para poder empreender estas modernizações. É importante e urgente que se dê visibilidade, transparência e se detalhe como isto vai ser implementado, para que não se adiem os esforços de modernização que nos vão permitir ter uma rede preparada para a transição energética. Para além disso, estima-se que na Europa poderemos poupar entre 11.1 e 29.1 mil milhões de euros anuais de investimento na rede se conectarmos os ativos de flexibilidade e os operadores do sistema de distribuição tiverem capacidade para recomprar e armazenar energia.
A necessidade de fazer convergir incentivos e regulamentação para os mesmos objetivos: mais descentralização, flexibilidade e digitalização
Os governos da UE gastaram 750 mil milhões de euros para proteger os consumidores da subida de preços, o equivalente a 4% do PIB da região. A maioria dos subsídios foram proporcionais ao volume de consumo, algo que é ineficiente do nosso ponto de vista, dado que não incentiva a redução da procura – só premeia quem faz menos esforço para gerir melhor os seus consumos. Também é injusto, uma vez que dá mais a quem já se pode dar ao luxo de gastar mais.
Se Portugal conseguir redirecionar os fundos obtidos com a implementação dos contratos por diferença para premiar a redução do consumo e criar um fundo de eficiência energética, isso permitiria aos consumidores aceder a apoios para a renovação da gestão energética dos edifícios, a otimização do consumo em pequenas e médias empresas, a eletrificação de bombas de calor, a instalação de carregadores inteligentes para veículos elétricos, sistemas de gestão energética ou ainda a instalação de painéis solares em telhados. Esta medida asseguraria uma transição energética verdadeiramente justa, garantindo que os benefícios da modernização de um sistema flexível não estejam circunscritos apenas a quem já tem capacidade para suportar o investimento inicial.