A ilusão do gratuito: como os nossos dados são moeda de troca
Por João Brazuna, Responsável de Informática Interna da Beltrão Coelho
A frase “Se um serviço é gratuito, é porque somos nós o produto” remete-nos para uma discussão importante sobre como os serviços gratuitos são muitas vezes financiados e sobre as implicações que isto tem na nossa privacidade, autonomia e até comportamento digital. A expressão é bastante comum sobretudo no contexto digital e, basicamente, resume a ideia de que, quando utilizamos um serviço gratuito, como as redes sociais, motores de busca ou aplicações, a nossa experiência “gratuita” é financiada de outras formas. Normalmente, os dados dos utilizadores, os seus comportamentos, gostos e interesses são “recolhidos” e transformados em publicidade direcionada ou vendidos a terceiros.
Mas de que forma funciona então este modelo “gratuito”? Em muitos sites, especialmente aqueles financiados por anúncios, os utilizadores não pagam dinheiro diretamente pelo serviço. Em vez disso, o “pagamento” é feito através da exposição dos seus dados pessoais, como informações sobre preferências, histórico de navegação, localização e interações, sendo que essas informações são usadas para criar perfis de utilizador, permitindo assim que os anunciantes direcionem anúncios específicos a grupos já definidos.
Pensemos nalguns exemplos práticos: as redes sociais – como o Facebook e o Instagram, plataformas gratuitas para os utilizadores, mas que reúnem uma enorme quantidade de dados, dados estes que são utilizados para mostrar anúncios que, teoricamente, se alinhem aos interesses dos utilizadores – os motores de busca – como o Google, que oferece serviços como o mecanismo de procura, Gmail e Google Maps gratuitamente, mas na verdade cada pesquisa e interação pode ser armazenada para criar um perfil de comportamento, que, por sua vez, é utilizado para personalizar resultados e anúncios – e as aplicações gratuitas – como os jogos mobile com downloads gratuitos, sendo que uma vez mais o comportamento do utilizador dentro da aplicação pode ser monitorizado para oferecer anúncios ou incentivar compras.
Muitos de nós não tem consciência que os meros cliques e visualizações em sites geram dinheiro, principalmente através de publicidade e monetização de tráfego.
Ora, isto faz-nos refletir sobre vários aspetos… a questão da privacidade parece-me premente já que a recolha massiva de dados pode colocar em risco a privacidade dos utilizadores, que muitas vezes não estão cientes da extensão ou da forma como os seus dados serão usados. O poder da chamada economia dos dados já que é uma evidência que os dados se tornaram uma commodity valiosa e, na verdade, empresas que possuem grandes quantidades de informações podem influenciar comportamentos de consumo e até processos políticos. A falta de literacia digital que, infelizmente, é ainda uma realidade que deveria ser combatida ao incluir desde o ensino básico competências digitais, de forma a consciencializar sobre os seus possíveis riscos e impactos.
Na verdade, esta compreensão ajuda-nos a fazer escolhas mais informadas sobre que serviços usar e a um determinado comportamento dito mais consciente como não partilhar informações sensíveis, rever as configurações de privacidade, verificar a veracidade das informações recebidas, nunca partilhar a localização em tempo real e até mesmo exigir transparência e ética por parte das empresas, entre outros.
O mundo digital, que é onde nos movemos, e a tecnologia, que está cada vez mais integrada no nosso dia a dia, são extremamente astutos e, por isso mesmo, cada dado ou informação que lhes damos é convertido para personalizar experiências, prever tendências, facilitar-nos processos, no entanto, apesar deste lado de “aliado”, tem também os seus desafios. Com a Inteligência Artificial a revolução será ainda maior, já que vai moldar cada vez mais o nosso futuro, com o desafio de saber equilibrar inovação com responsabilidade e ética.
Em suma, a frase “Se um serviço é gratuito, é porque somos nós o produto” sintetiza um aspeto central da atual economia: a monetização dos nossos dados, sendo essencial que, ao utilizar serviços gratuitos, adotemos uma postura mais crítica, consciente e segura pois essa é a única forma de garantir que a nossa pegada digital nunca nos trairá.