Pela primeira vez, um grupo de mulheres decidiu falar publicamente sobre as suas experiências de assédio e abuso de poder por parte do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Em entrevista à Agência Pública, sete mulheres de várias nacionalidades, incluindo portuguesas e brasileiras, descreveram os detalhes das situações que viveram, sublinhando que o sociólogo “oferecia sexo como moeda de troca para uma ascensão de carreira”.
Carla Paiva, Eva García Chueca, Gabriela Rocha, Aline Mendonça, Mariana Cabello, Élida Lauris e Sara Araújo revelaram as suas identidades e as suas histórias, quebrando o anonimato que até agora mantinham como denunciantes dos alegados episódios de assédio. Além das denúncias de assédio sexual e moral, abuso de poder, violência verbal e extrativismo intelectual, as mulheres denunciaram um ambiente tóxico, de medo e silenciamento dentro do Centro de Estudos Sociais (CES).
“Fomos ver um documentário sobre direitos humanos. Havia cerca de 30 pessoas na sala. Boaventura sentou-se do meu lado”, conta a mexicana Mariana Cabello, que à data tinha 29 anos. “Quando as luzes se apagaram, ele colocou a mão entre as minhas pernas, na minha virilha. Fiquei em choque. Isso realmente estava a acontecer comigo? Ele continuou a olhar para a frente, vendo o filme. Eu saí assustada”, relatou.
“Ele controlava a nossa autonomia e bloqueava o nosso protagonismo académico”, afirmou Élida Lauris, investigadora e consultora independente brasileira de 43 anos
“Boaventura desviou-nos do caminho que poderíamos ter percorrido”, disse a portuguesa Sara Araújo, de 45 anos. “Ele não permitiu que nós atingíssemos o nosso potencial”, acrescentou, referindo-se à sua experiência desde que conheceu Boaventura aos 21 anos. “Nós trabalhávamos com medo, havia uma tortura psicológica. Éramos reféns da obsessão dele pela produtividade. Já não dormia, descuidei as minhas relações pessoais, a minha vida era uma violência”, relatou.
Sara contou ainda que, numa reunião de equipa na casa do professor, ele começou a criticá-la agressivamente e a acusá-la de ser defensiva quando tentava argumentar. “O professor pediu que todos deixassem a reunião para conversarmos a sós e disse: ‘O problema que existe entre nós é que tu és a única mulher com quem eu tenho uma relação tão próxima que não tem caráter sexual. Porque tu me disseste uma vez que nunca na vida irias para a cama comigo'”, revelou. “Noutras palavras, ele estava a dizer que o meu problema profissional era não ir para a cama com ele”, concluiu Sara. “Quando percebi que ele usava o sexo como moeda de troca, entendi que a minha carreira no CES tinha terminado ali”, explica.
Em abril de 2023, foram tornadas públicas acusações de assédio sexual feitas por três ex-investigadoras do CES contra dois professores – Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins – ambos negaram todas as acusações. As três investigadoras denunciaram situações de assédio e violência sexual num capítulo do livro ‘Má Conduta Sexual na Academia – Para uma Ética de Cuidado na Universidade’, publicado pela editora internacional Routledge. Desde então, mais mulheres se juntaram ao coro de denúncias.
No mesmo mês deste ano, o Ministério Público (MP) abriu uma investigação às acusações. A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu investigação com base precisamente numa carta enviada por um coletivo de alegadas vítimas.
De acordo com um relatório divulgado em março deste ano, foram denunciadas 14 pessoas por 32 denunciantes, num total de 78 denúncias à comissão independente. O diretor do CES, Tiago Santos Pereira, considerou que a conclusão do relatório é “muito preocupante” e levou a instituição a publicar uma carta aberta na sua página de internet, onde pediram desculpas às vítimas das práticas de assédio e abuso moral e sexual, e de abuso de poder cometidas por investigadores da instituição. Santos Pereira disse ainda que o conjunto de denúncias pode ter valor penal e, por isso, remeteu o relatório ao Ministério Público.
Em reação, no comunicado enviado à Lusa, Boaventura de Sousa Santos manifesta que esperava que tivesse havido, da parte do CES, um esclarecimento, que “pusesse fim ao clima de suspeição”.
“Como fundador do CES, estou hoje mais preocupado. A Comissão Independente fez, em meses, uma radiografia de 48 anos de atividade da instituição, baseada em 32 denúncias. O relatório centrou-se em questões de abuso de poder, nas quais não me revejo, até responsável pela descentralização de poder”, acrescenta.
O sociólogo alude ainda ao facto de o relatório referir padrões de conduta, ao longo dos anos, de pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES.
“Recordo a esse propósito que o CES tem, em termos de órgãos, Direção, Conselho Fiscal, Assembleia-Geral, Comissão de Ética, Conselho Científico e Provedoria. Não faço parte de nenhum deles desde 2010”, evidencia.
No seu entender, as mais de 600 páginas de prova que juntou ao processo contribuíram para que “nada de objetivo” tenha sido concluído contra si.
“Seja na esfera judicial ou disciplinar, espero que a direção do CES dê seguimento a qualquer indício de infração – como comunicou que faria – e que, pela minha apreciação do relatório e no que me diz respeito, não existe. Espero que, apesar das limitações que revelou, este processo sirva de exemplo para futuro”, conclui.













