João Miranda, jovem estudante do mestrado em Jornalismo e Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, esteve na Ucrânia a gravar uma curta-metragem sobre os horrores da guerra. Para realizar o documentário “Os Cães Voltaram a Ladrar”, o jovem partiu para o sangrento conflito para oferecer “uma visão impactante sobre a guerra na Ucrânia, capturando imagens e testemunhos dos horrores do conflito armado”.
Se quiser assistir ao “Os Cães Voltaram a Ladrar”, faça-o aqui.
Lviv, Kiev, Kharkiv, Izium, Dnipro, Zaporizhia: estas são algumas das cidades onde o jovem estudante teve ocasião de registar os testemunhos de pessoas que viveram sob ocupação russa, assim como de soldados que recuperam física e psicologicamente em hospitais militares e de pessoas que perderam os seus entes queridos para o horror da guerra.
O que motivou a tua ida à Ucrânia e realizar a curta-metragem? Foi difícil a deslocação?
“Decidi ir para a Ucrânia porque no mestrado que estou a tirar, em Jornalismo e Comunicação, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, numa das cadeiras tinha de fazer uma reportagem sobre um tema atual. Fui há sensivelmente um ano, na Páscoa de 2023, porque não havia tema mais mediático do que a guerra na Ucrânia.
O que esperavas encontrar?
Não sabia bem o que esperava encontrar: sabia que ia encontrar destruição, desespero, perda, dor. Efetivamente, encontrei.
Achava que o que ia ver era duro, que ia levar muitos murros no estômago, mas levei muitos mais daqueles que estava à espera. Não encontrei muitos motivos para sorrir ali dentro, com as pessoas com quem falei, as histórias que vi ou ouvi. Quando vemos um jovem de 22 anos, que quer física quer psicologicamente está superdebilitado, foi um verdadeiro murro no estômago.
O que esperava encontrar, vi: o nível mais desumano a que o ser humano consegue chegar. Vi isso, e de forma agravada: é completamente diferente ver a guerra na TV e ver uma notícia a dizer que ‘bombardeamento matou 10 pessoas’. Agora ver a campa das 10 pessoas, o cenário de destruição que rodeia essas campas, é diferente de tudo o que estava habituado.
No documentário, um prédio civil que foi bombardeado pelos russos e onde morreram sensivelmente 40 pessoas, mulheres e crianças: vi esse prédio nas notícias mas vê-lo à minha frente, com todo o rasto de destruição foi de ter um sabor muito amargo e desespero. Não esperava que as coisas estivessem pior do que imaginei.
Esta é uma guerra muito arcaica: numa altura em que se fala de drones, mísseis teleguiados, a verdade é que na linha da frente o que se vê são trincheiras. Se pusesse as imagens a preto e branco, e com algum grão, passariam por imagens da I Guerra Mundial – a matarem-se uns aos outros, à queima-roupa. Estava à espera de ver muita barbaridade, mas vi bem mais, e bem mais violenta, do que imaginava.
A tua curta-metragem: além do trabalho universitário, pretendes que ela seja vista como uma memória da guerra ou como um aviso do que é a guerra?
Essa é uma excelente e interessante pergunta! Na verdade, para ser muito honesto, considero que pode (e deve até) ser visto com ambas as perspetivas. Primeiramente, sempre quis e assumi que este trabalho tivesse uma mensagem pró-paz e anti-guerra. Em ambos os lados da barricada morrem pessoas, famílias perdem os seus ente queridos, mães enterram os filhos e crianças deixam de poder brincar ou abraçar os seus pais. E para mim não há nada mais de desumano e bárbaro do que seres humanos a matarem e a provocarem dor e sofrimento a outros seres humanos.
Aliás, é por isso que no fim do documentário coloco aquelas frases informativas sobre as baixas civis e que ambos os exércitos sofreram.
Repito, em ambos os lados morrem seres humanos, não existem “bombas boas” e “bombas más”.
Assim sendo, obviamente que este projeto visa a preservação da memória, tentando que este tema não caia no esquecimento. Independentemente do alcance e mediatismo que o meu filme venha a ter, ele será sempre um objeto de história, dado que documenta os horrores que se vivem à custa desta guerra. Nesta base, é naturalmente uma peça de memória da guerra. Precisamente por ser uma memória de guerra, e sendo a guerra algo tão horrendo, acaba também por ser um aviso e alerta daquilo que esta provoca.
Outra questão: a experiência terrível. Em algum momento receaste pela tua vida?
Honestamente não, houve momentos mais tensos e assustadores; no entanto, a adrenalina de estar neste cenário era tanta que nem pensava nisso. Das raras vezes que pensei na possibilidade de eventualmente poder morrer ali, rapidamente me aliviava ao pensar que eu sempre quis fazer este tipo de trabalhos, por isso se morresse, morreria a fazer algo que gosto. Certamente que a minha família não iria pensar da mesma forma, mas a mim aliviava-me pensar assim.
Por último, que lições, ensinamentos tiraste desta experiência que gostarias que quem veja a tua curta-metragem perceba?
De facto, chega a ser até desesperante estar num cenário destes. Por vezes mais difícil do que fazer o próprio trabalho, era sair dele. Isto é, mais difícil do que falar com as pessoas ou gravar o quer que fosse, era ir embora e sentir um peso esmagador de impotência. Imagine o caso do sniper Yuri, de 22 anos, que aparece no documentário. Depois de ele nos ter contado a sua história em que perdeu todos os amigos nesta guerra, mal consegue andar e está superdebilitado física e psicologicamente; como é que se vai embora e se despede de uma pessoa assim? É desolador…
Por isso, para lá das lições “técnicas” enquanto repórter que tirei desta experiência, as mais importantes foram obviamente as humanas. Aprendi que só com a cooperação e solidariedade entre todos nós é que as nossas sociedades progridem. O ódio, como esta guerra o demonstra bem, não é resposta nem solução para nada. Esta é uma mensagem que eu gostava que retirassem.
Tal como eu digo quando finalizo o documentário “Até haver paz estes números continuarão a aumentar”, é urgente que a paz chegue e que as armas se calem. Infelizmente, a mensagem que os nossos altos dirigentes nacionais e europeus transmitem é precisamente a contrária. Não há espaço para diálogo de paz, falando-se apenas no envio de mais e mais armas para este conflito. Em vez de o tentarmos acabar, só o estamos a alimentar…
Assim sendo, em suma, quero que as pessoas que vejam o meu documentário retenham os valores da entreajuda, respeito, cooperação e solidariedade. Pois com base naquilo que vi e ouvi na Ucrânia, só esses valores e ideias nos irão trazer dias mais coloridos e felizes














