Durante o seu pontificado, o Papa João Paulo II nomeou quatro cardeais in pectore, ou seja, cardeais cuja identidade decidiu manter em segredo por razões de prudência. Enquanto que durante a sua vida revelou o nome de três deles e as razões que justificaram o segredo, o Papa faleceu sem revelar o nome do quarto. Este mistério tem alimentado diversas teorias dentro do Vaticano.
O termo cardeal in pectore refere-se poeticamente ao facto de a nomeação ser «reservada» no coração do Pontífice. De acordo com as regras da Igreja, se o Papa morrer sem revelar o nome ou sem deixar um documento oficial onde conste essa informação, a nomeação torna-se inválida. Caso seja revelado, o cardeal assume o seu lugar na hierarquia a partir do dia em que o seu nome foi «reservado in pectore».
Para entender quem poderá ter sido este último cardeal in pectore, pode-se analisar o perfil dos outros cardeais nomeados por João Paulo II e pelo seu antecessor, Paulo VI, que também recorreu a esta prática em tempos de perseguição religiosa.
Os Cardeais In Pectore de Paulo VI
Durante a Guerra Fria, o Papa Paulo VI nomeou três cardeais in pectore. Em 1969, fez duas nomeações e, quatro anos depois, revelou que se tratava do romeno Iuliu Hossu, que faleceu em 1970, e do checoslovaco Štěpán Trochta.
Iuliu Hossu, um símbolo da fidelidade à Igreja Romana, foi preso em 1948 por motivos religiosos. O regime comunista ofereceu-lhe liberdade se ele rompesse com Roma e se tornasse ortodoxo, mas ele recusou, passando o resto da sua vida na prisão ou em prisão domiciliária. Štěpán Trochta, por sua vez, era um líder da resistência contra a ocupação nazi na Checoslováquia e, mais tarde, foi preso pelo regime comunista por suposta espionagem. Paulo VI manteve a sua nomeação em segredo para evitar conflitos com o governo comunista.
Em 1976, Paulo VI nomeou outro cardeal in pectore, cuja identidade só foi revelada um ano depois: František Tomášek, o sucessor do cardeal Beran em Praga, conhecido como o «cardeal de ferro» por se opor ao regime comunista sem buscar confronto direto.
Os Cardeais In Pectore de João Paulo II
João Paulo II continuou a prática de nomear cardeais in pectore num contexto de perseguição religiosa. Em 1979, nomeou um cardeal in pectore que todos pensaram ser Julijonas Steponavičius, arcebispo de Vilnius (Lituânia), sob prisão domiciliária desde 1969. Contudo, em 1991, revelou-se que se tratava de Ignatius Gong Pin-Mei, o primeiro bispo chinês de Xangai, preso em 1955 e condenado a prisão perpétua pelo regime comunista chinês.
No consistório de 21 de fevereiro de 1998, João Paulo II nomeou mais dois cardeais in pectore, cujas identidades foram reveladas em 2001: Marian Jaworski, da Ucrânia, e Janis Pujats, da Letónia. Ambos foram mantidos em segredo não por estarem em perigo imediato, mas para evitar conflitos com o Patriarcado de Moscovo.
O Último Cardeal In Pectore
Em 21 de outubro de 2003, João Paulo II nomeou 31 novos cardeais, sendo que um deles foi in pectore. Contudo, o Papa faleceu em 2 de abril de 2005 sem jamais revelar a identidade deste último cardeal, deixando um mistério que tem gerado diversas especulações.
Valentina Alazraki, decana dos vaticanistas e correspondente da Televisa México no Vaticano, recorda que nunca se soube quem poderia ter sido este cardeal secreto. «Falava-se de alguém da China, mas nunca soubemos», comenta.
Entre os nomes especulados, destacou-se o do bispo de Hong Kong, Joseph Zen Ze-kiun, devido a uma possível necessidade de proteger o seu ministério. No entanto, o próprio Zen rejeitou essa hipótese, argumentando que em Hong Kong ele podia exercer as suas funções com liberdade. Outra possibilidade era o arcebispo latino de Moscovo, Tadeusz Kondrusiewicz, que enfrentou oposição do Patriarcado de Moscovo.
Quando João Paulo II faleceu, muitos esperavam que o seu testamento revelasse o nome do cardeal in pectore, mas o Papa levou esse segredo para o túmulo. Assim, seja ele quem for, o cardeal in pectore nunca soube que o Papa o tinha escolhido para essa honra, permanecendo o mistério por resolver.














