O armazenamento de energia e o abastecimento de eletricidade
Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia pela Ordem dos Engenheiros
O armazenamento de energia destinada ao abastecimento de eletricidade pode ser efetuado em diferentes meios ou ambientes e esta pode ser convertida em eletricidade para introdução na rede, de acordo com as exigências do consumo. A eletricidade injetada na rede tem que corresponder, a cada momento, ao consumo, pelo que, em caso de não possibilidade de exportação, o armazenamento é uma necessidade para auxiliar a gestão dos sistemas de produção e distribuição.
O aumento do consumo de eletricidade devido ao crescimento económico e também à eletrificação da economia na transição energética em desenvolvimento tem-se traduzido num crescimento da produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, algumas das quais com carácter intermitente. Esta intermitência recomenda, por sua vez, a adoção de sistemas de armazenamento de forma a manter o equilíbrio entre a produção e o consumo e permitir o funcionamento da produção em momentos de interrupção.
Como o consumo é muito variável, a produção tem de ser feita em função do mesmo, e em tempo real. As redes elétricas existentes dificilmente têm capacidade de depender exclusivamente de fontes de energia renováveis intermitentes diretamente ligadas a essas redes, se não existir armazenamento.
Existem várias tecnologias para armazenamento de energia que pode ser convertida em eletricidade, nomeadamente químicas, elétricas, mecânicas, eletroquímicas e térmicas. As principais são: armazenamento por bombagem hidroelétrica, em baterias, em hidrogénio, em ar comprimido e térmico. O armazenamento em ar comprimido e a bombagem hidroelétrica é geralmente adequado apenas para grande escala.
A bombagem hidroelétrica envolve a transferência da água de um reservatório inferior, que acumula a água libertada na turbinação, para outro superior (com maior elevação). A bombagem reversa depende da disponibilidade dos recursos hídricos que são sensíveis aos impactes das alterações climáticas, mas tem elevada eficiência. Apresenta uma grande flexibilidade de operação, podendo reagir rapidamente a variações do consumo ou da produção, em particular no caso da produção eólica. A eletricidade consumida para a bombagem da água pode ser a obtida utilizando excessos de produção de sistemas renováveis intermitentes ou outros.
As baterias são uma tecnologia eletroquímica de armazenamento de energia, existindo vários tipos. Possuem uma grande flexibilidade de resposta, nomeadamente associadas a parques fotovoltaicos.
O chamado armazenamento em hidrogénio assenta num eletrolisador que “remove” o hidrogénio a partir de água, um tanque de armazenamento e uma pilha de combustível (gerador) que usa o hidrogénio para gerar eletricidade ou para incorporar em gás natural que, posteriormente, poderá alimentar centrais termoelétricas.
O armazenamento de energia em ar comprimido é efetuado usualmente em reservatórios geológicos (cavernas, minas). Também aqui a eletricidade excedentária produzida alimenta compressores que injetam ar nestes reservatórios, ar esse que pode posteriormente ser utilizado para acionar turbinas.
No domínio do armazenamento térmico utilizam-se transformações físicas e/ou químicas de materiais com as correspondentes variações de calor, nomeadamente calor que permita produzir vapor. Uma tecnologia usada é o chamado solar de concentração.
Para além do custo dos sistemas de armazenamento é necessário também considerar a eficiência do ciclo, devido às perdas de energia durante o processo de armazenamento e na posterior conversão da energia armazenada em eletricidade.
O armazenamento de energia é já, na atualidade, um dos temas críticos em matéria de segurança de abastecimento e gestão das redes e sê-lo-á ainda mais no futuro com a proliferação de centrais solares que utilizam os pontos de ligação à rede apenas durante uma parte do dia. Isto vai permitir o aparecimento de soluções híbridas (eólico, hídrico) que aproveitem o mesmo ponto de ligação nas horas ociosas do solar para injetar na rede ou armazenar energia permitindo uma melhor adequação do sistema elétrico aos desafios da transição energética.
Saliente-se que existe uma Associação Europeia de Armazenamento de Energia (EASE, da sigla em inglês), estabelecida em 2011, que pretende apoiar o desenvolvimento do armazenamento de energia para uma transição eficaz e acessível para um sistema energético resiliente de baixo carbono e seguro. Embora existam várias tecnologias de armazenamento, verifica-se a nível europeu que a sua implementação não é servida por um quadro regulamentar adequado, pelo que existe um desafio de desenvolver políticas que apoiem esta implementação.
Algumas soluções de armazenamento são geograficamente específicas, como é, por exemplo, o caso do armazenamento em ar comprimido em cavernas de sal e da bombagem hidroelétrica, tendo que ser encontradas localizações adequadas com as características necessárias. Será necessário fazer um levantamento desses reservatórios geológicos à escala nacional e foram já dados alguns passos nesse sentido.
A nível do armazenamento hidroelétrico, uma solução de transvases entre bacias hidrográficas com maior pluviosidade ou excesso de água, para outras bacias com maior déficit hídrico e infraestruturas mais carenciadas poderia ser também um contributo a considerar.
Concluindo, no contexto atual das redes elétricas, que enfrenta desafios exigentes, a crescente penetração de produção distribuída, o aparecimento do regime de autoconsumo, o advento da mobilidade elétrica, a flexibilidade na procura e o papel cada vez mais ativo dos clientes das redes, reforçam necessidade de adoção de estratégias e tecnologias diferentes na gestão da rede de distribuição, situação em que o armazenamento de energia desempenhará um papel importante, sendo imprescindível para os sistemas e os agentes de planeamento do fornecimento de eletricidade.