
Zoonoses: Quatro doenças que os animais de estimação podem transmitir aos humanos e que talvez não conheça
Quando, em março de 2020, a pandemia de Covid-19 se instalou em todo o mundo, o conceito de zoonose — isto é, a transmissão de doenças entre animais e seres humanos — deixou de ser um tema restrito à comunidade científica. Tornou-se um assunto de relevância global. A veterinária Rut Tutusaus Morillo, no seu mais recente livro Zoonosis (Pinolia, 2025), procura agora esclarecer o público sobre os mecanismos que permitem essa transmissão, as doenças mais perigosas e o papel que os próprios humanos desempenham no processo.
“No fundo, nem todas as doenças dos animais têm capacidade para nos afetar”, escreve Tutusaus Morillo, citado pelo El Economista. “Muitas não nos provocam doença porque o nosso corpo, pela sua genética e imunidade, não oferece o ambiente adequado para a sobrevivência do agente etiológico”, ou seja, do organismo causador da infeção. O objetivo do livro é claro: ajudar o público a compreender como e porquê algumas patologias animais conseguem ultrapassar a barreira entre espécies e afetar os humanos.
Uma das formas mais comuns de contágio, sublinha a autora, é o contacto direto com o animal infetado. No entanto, existem outras vias relevantes. “Existe outra via importante de contágio que é o contacto indireto, que se dá através dos vetores”, explica Tutusaus Morillo. E acrescenta: “Os mais habituais são os nossos queridos mosquitos ou outros artrópodes como as pulgas ou as carraças”.
Segundo a autora, cerca de 60% das doenças infeciosas conhecidas são de origem zoonótica, sendo que muitas têm maior prevalência no continente africano, onde a biodiversidade e os vetores de contágio são abundantes. Através de exemplos concretos, a veterinária destaca quatro dessas doenças — algumas bem conhecidas, outras menos — que podem surpreender pelo modo como são transmitidas.
A ameaça invisível do mosquito
O Aedes aegypti, mosquito comum nas regiões tropicais e subtropicais, é conhecido por transmitir várias doenças infeciosas de elevada mortalidade, como o dengue, a febre amarela, o vírus zika e a chikungunya. No entanto, como esclarece a veterinária, apenas duas destas — a febre amarela e o zika — são efetivamente zoonoses. “O dengue não tem reservatórios animais. É o ser humano que desempenha esse papel”, afirma Tutusaus Morillo, razão pela qual esta doença não se inclui na categoria de zoonoses.
A autora alerta para a necessidade de maior vigilância em zonas onde este mosquito é prevalente, uma vez que a sua picada pode ser o ponto de partida para infeções graves.
Salmonella: uma velha conhecida com novas ameaças
A bactéria Salmonella, pertencente à família Enterobacteriaceae, é amplamente conhecida e possui várias estirpes, entre as quais se destacam a typhi (causadora da febre tifóide), enteritidis e typhimurium, responsáveis por infeções gastrointestinais.
Tutusaus Morillo salienta que esta bactéria pode infetar praticamente todas as espécies animais e é especialmente comum em ambientes de pecuária intensiva. “Encontra nos animais silvestres, nos domésticos, nos alimentos e na água contaminada hospedeiros naturais onde se pode manter e transmitir”, escreve.
O perigo reside na facilidade com que os humanos podem ser infetados, quer pelo consumo de alimentos contaminados, como ovos ou leite cru, quer pela falta de higiene. A autora sublinha que uma simples ida à casa de banho sem a lavagem adequada das mãos pode contribuir para a propagação da bactéria.
Curiosamente, a veterinária desaconselha a prática comum de lavar os ovos em casa. “Pode eliminar a cutícula protetora natural da casca, facilitando a entrada de bactérias pelos poros”, adverte. Caso os ovos apresentem sujidade visível, recomenda o uso de um pano seco, papel de cozinha ou uma escova suave para limpar os resíduos.
As carraças e as febres que nos deixam de cama
“Todo o tutor de animais teme encontrar um destes parasitas nas orelhas do seu companheiro peludo”, escreve a autora sobre as carraças, que são vetor de várias doenças zoonóticas. Uma das mais conhecidas é a rickettsiose, provocada por bactérias do género Rickettsia, que só sobrevivem dentro das células do hospedeiro.
Entre as doenças mais comuns estão a febre das Montanhas Rochosas, a febre botonosa mediterrânica e a ehrlichiose. “A exposição a cães infestados com estes parasitas, assim como o contacto com pulgas e outros vetores, pode favorecer a infeção em humanos”, explica Tutusaus Morillo.
A veterinária lembra ainda que a prevenção é fundamental. A desparasitação regular, a higiene dos animais domésticos e as visitas ao veterinário são essenciais para evitar que carraças infetem cães — e, por extensão, as pessoas com quem convivem.
Um simples arranhão de gato pode ser mais do que incómodo
Por fim, a obra aborda a chamada doença do arranhão do gato, ou bartonelose, provocada pela bactéria Bartonella henselae. Esta bactéria encontra-se nas fezes das pulgas infetadas, particularmente da espécie Ctenocephalides felis. Quando um gato está infestado, o ato de se coçar pode contaminar as suas unhas, e, ao lamber-se, também a boca.
Se o gato arranhar ou morder uma pessoa, existe o risco de transmissão da doença. Apesar de não ser comum, Rut Tutusaus Morillo estima que “cerca de 30% dos gatos domésticos que vivem em zonas urbanas podem estar infetados”. E deixa o alerta: “Embora os gatos de rua sejam mais propensos a ter pulgas, a desparasitação adequada e regular dos animais domésticos é fundamental”.
No fundo, o livro Zoonosis apresenta-se como um alerta científico e educativo sobre os riscos, muitas vezes ignorados, da convivência entre humanos e animais, especialmente num mundo onde as fronteiras entre o habitat natural e os ambientes urbanos são cada vez mais ténues. A autora defende uma abordagem preventiva e uma maior literacia em saúde para enfrentar as futuras ameaças zoonóticas.