“Zonas de ninguém, à semelhança das Coreias”: fronteira da NATO com a Rússia poderá contar com novas armas

A fronteira NATO está prestes a mudar: Polónia, os países Bálticos e Finlândia tencionam abandonar a Convenção de Ottawa para começar a produzir, armazenar e utilizar minas antipessoais em combate. A mensagem para Moscovo é clara: o preço de entrar em território da aliança militar vai ser cada vez mais caro.

“É uma decisão justificável do ponto de vista militar. Estas armas são extremamente eficazes para travar colunas de inimigos que avançam no território. A decisão polaca serve para transmitir uma mensagem a Moscovo, sublinhando que, em caso de guerra, estas minas vão mesmo ser utilizadas contra o exército russo”, sustentou o tenente-general Marco Serronha, em declarações à ‘CNN Portugal’.

A intenção é reforçar o projeto ‘Tarcza Wschód’ (Escudo do Leste), a fronteira polaca com a Bielorrússia e o território do exclave russo de Kaliningrado: as barreiras defensivas, que estão a ser construídas ao longo de 800 quilómetros por Varsóvia e espera-se estar concluída em 2028, já tem vários tipos de fortificações físicas e sistemas de guerra eletrónica.

Segundo Pawel Bejda, ministro polaco da Defesa, o exército local precisa, a curto prazo, “de várias centenas de milhares, talvez até um milhão” destas minas para travar um possível ataque russo, sendo que Kaliningrado, cercado por território polaco e lituano, pode ficar completamente cercado por via terrestre.

“A Polónia quer garantir que o passado não se repete e, para isso, vão criar um campo de minas ao longo de toda a fronteira. A Polónia é uma gigante planície que, tirando na altura das chuvas, é uma autêntica autoestrada para carros de combate e viaturas de infantaria. Os carros de combate podem atingir uma grande velocidade, por isso é que a fronteira vai ser fortificada”, reforçou o major-general Isidro de Morais Pereira.

O ministro da Defesa da Letónia, Andris Spruds, insistiu que “todas as opções estão em aberto” no que diz respeito à criação de capacidades de defesa e dissuasão, até a criação de um campo de minas na fronteira com a Rússia. A Finlândia não exclui a hipótese de se juntar a estes países. “Podem ser criadas autênticas zonas de ninguém, repletas de minas, à semelhança do que existe entre as duas Coreias. É possível que toda a região seja isolada de forma a evitar que civis de ambos os lados ultrapassem a fronteira”, apontou Marco Serronha. “As minas antipessoal de hoje são muito diferentes das que existiam quando a convenção [de Ottawa] foi feita. A vasta maioria são destruídas por sinal de rádio ou por programação. Quando estamos a defender, lançamos um campo de minas à frente do inimigo.”

Os especialistas em direitos humanos receiam que a decisão dos países seja um retrocesso que deixe a humanidade mais perto do abismo. Iain Overton, diretor-executivo da organização Action on Armed Violence, salientou que a decisão destes países pode criar “um precedente” e encorajar outros a “reconsiderar os seus compromissos”, levando ao “ressurgimento do uso e armazenamento de minas”, o que reverteria “décadas de progresso nos esforços humanitários”.

“A eficácia do Tratado de Ottawa depende de uma adesão generalizada. Embora potências como a China, os Estados Unidos e a Rússia não tenham ratificado o tratado, o compromisso de outras nações tem mantido a sua força. No entanto, a retirada de países que enfrentam ameaças de segurança pode minar a credibilidade do tratado, potencialmente levando a um efeito dominó onde outras nações questionam a sua relevância e optam por sair, enfraquecendo assim a norma global contra o uso de minas terrestres”, alertou.

Um dos exemplos mais recentes dos impactos das minas é a Ucrânia, atualmente o país mais minado do mundo. Estima-se que cerca de 30% do território ucraniano (aproximadamente 174 mil quilómetros quadrados) esteja contaminado por minas e resíduos explosivos e que o processo de desminagem poderá demorar décadas e ter um custo de 37 mil milhões de dólares.

De acordo com os dados da ONU, entre fevereiro de 2022 e julho de 2023, 298 civis morreram, entre os quais 22 crianças, e 632 pessoas foram feridas por minas na Ucrânia. Segundo a organização Landmine Monitor, cerca de 85% das vítimas de minas são civis, particularmente agricultores que regressam aos campos para trabalhar nas terras que estão armadilhadas.