“Viver em diferentes países motiva-me tanto”, diz CEO da Teiduma
Sofia Fonseca é arqueóloga especializada em egiptologia, Norte de África e cooperação em património cultural. É ainda membro do ICOMOS International Cultural Tourism e Community Integrating the Management of Archaeological Heritage and Tourism, da European Association of Archaeologists. Trabalha há mais de 20 anos em projetos internacionais de turismo arqueológico e sustentável, tendo vivido e trabalhado em Portugal, Espanha, Egipto, Mauritânia, Níger, Brasil e Irlanda. Esteve ligada a projetos de cooperação em locais património Mundial da UNESCO, como Memphis, no Egipto, e Tichitt e Walata, na Mauritânia. É fundadora da Teiduma, uma consultora em Património, Cultura e Sustentabilidade (www.teiduma.com), que tem como missão promover o desenvolvimento local através do património e da cultura. Também co-fundou e organizou, entre 2003 e 2012, o Veus Parallels, festival de poesia em Barcelona. Em 2022 fundou o projeto “No ALgarbage-zero desperdício no turismo”, procurando reduzir o desperdício alimentar na indústria do Turismo no Algarve (www.noalgarbage.com). Atualmente, mora com a família em Abu Dhabi.
Liberdade, criatividade e cooperação são três aspectos fundamentais para quem deseja ser empreendedor. Ter ideias, criar ideias, dar-lhes vida e lutar por elas, é o que a move.
Quando surgiu a ideia de criar a Teiduma?
A Teiduma nasceu em 2008, quando o projeto no qual trabalhava, na Mauritânia, acabou. Era um projeto de cooperação cultural para o desenvolvimento, da Universidade de Barcelona, que tinha por objetivo o desenvolvimento de uma estratégia de turismo sustentável em duas cidades históricas da Mauritânia, Tichitt e Walata, Património da Humanidade da Unesco. São duas cidades antigas que faziam parte das rotas das caravanas que cruzavam o Saara, entre os séculos V e XVI. Foi uma das grandes honras e alegrias da minha vida. Esse projeto mudou a minha vida. Até então, tinha trabalhado em projetos de investigação arqueológica, mas percebi que esse trabalho com as comunidades locais era o que eu queria fazer. Assim nasceu a Teiduma, Consultoria em Património, Cultura e Sustentabilidade. O nome é uma alusão e homenagem à Mauritânia, porque Teiduma é Baobab em Hassanya, o dialeto árabe da Mauritânia. Fundei a Teiduma com uma sócia, a Esther Gil, que estava no mesmo projeto na Mauritânia e que durante muitos anos foi a minha companheira de viagens e aventuras. Posteriormente, os nossos caminhos profissionais separaram-se, mas a Esther será sempre parte da Teiduma.
Em que consiste o projeto?
A Teiduma é uma consultora que procura que o património e a cultura sejam ferramentas para o desenvolvimento local. Isso é conseguido com projetos educativos, museológicos, de sustentabilidade ambiental e de divulgação através da cultura e do património. A perspectiva da Teiduma é ter em conta o que podemos nós, desde o setor cultural, oferecer à sociedade. Como podemos contribuir para apoiar a resolução dos conflitos e problemas da nossa sociedade atual? E é com essa perspetiva que criamos e desenvolvemos ideias e projetos com os nossos parceiros, locais e internacionais.
Como foi o seu percurso até chegar a este momento?
Estudei Arqueologia em Coimbra, porque desde os 12 anos queria ser egiptóloga. O sonho da minha vida era escavar no Egipto. Quando acabei o curso fui para Barcelona para a Universidade Autónoma onde fiz o Mestrado em Egiptologia e iniciei o meu doutoramento. Aos 25 anos, realizei o meu sonho, quando fiz parte do primeiro projeto arqueológico português no Egipto, a escavação da Universidade Nova de Lisboa, no Palácio do Faraó Apries, da dinastia XXVI, em Mênfis. Depois trabalhei sobre a iconografia do vinho nas tumbas privadas de Tebas, o tema do meu doutoramento. Tenho que voltar a destacar o projeto da Mauritânia nas cidades de Walata e Tichitt, após o qual nasce a Teiduma. Uma vez fundada, desenvolvi projetos em diversos âmbitos e com parceiros nacionais e internacionais, no Níger, na Europa (Espanha, Alemanha e Portugal, no Algarve), e agora que estou em Abu Dhabi, espero vir a ter parceiros aqui. O foco tem sido em educação online, turismo criativo e turismo cultural sustentável. Também vivi na Irlanda e aproveitei para me formar em temas ambientais e de aquecimento global, e desde 2018 sou Master Composter e Climate Embassador Ireland, desde 2021. Com esse conhecimento e experiência criei o NO Algarbage- zero waste in tourism, em 2022, para combater o desperdício alimentar na indústria do Turismo do Algarve. Para desenvolver o projeto piloto do contei com o apoio do Acciona – ODS, uma iniciativa do Programa de Cooperação Transfronteiriça Espanha-Portugal (POCTEP) da União Europeia. Este é um dos projetos que espero conseguir desenvolver em Abu Dhabi!
Liberdade, competição, criatividade ou cooperação.
O que considera mais importante para um empreendedor?
Para mim, liberdade, criatividade e cooperação, são três aspetos fundamentais. Competição, pessoalmente, já não me diz tanto. Uma das minhas maiores qualidades é que não tenho tendência para me comparar ou competir com ninguém. Não tenho tempo, nem paciência! Já a liberdade é algo fundamental, diria mesmo que é algo que me move desde criança. Acho que por isso viajar, viver em diferentes países me motiva tanto. Depois, a criatividade é fundamental para um empreendedor. Ter ideias, criar ideias, dar-lhes vida e lutar por elas, é o que nos move. Finalmente, a cooperação porque sem uma equipa, parceiros com quem trabalhar, não há projecto que funcione.
Que principal diferença encontra entre a realidade portuguesa e a do estrangeiro relativamente ao empreendedorismo?
Depende com que país comparamos, mas generalizando, penso que em Portugal a falta de apoios e a mentalidade são fatores complicados. Os impostos que os empreendedores/ pequenos empresários pagam em Portugal não permitem a muita gente sequer começar. É impossível. E depois a mentalidade de que o que é bom é trabalhar por conta de outrem continua muito enraizada. Bem como a ideia de que se és empresário, independentemente do tamanho da empresa e dos rendimentos, és rico. Para mim, pessoalmente, o peso fiscal é o pior de tudo.
Enquanto empreendedora qual é o seu principal sonho?
Como visão global, que a Teiduma possa continuar por muitos anos e, na medida do possível, que continuemos a contribuir para um mundo mais justo, com a cultura e o património como bandeira para esse objetivo. A curto-médio prazo, conseguir que o curso online de arqueologia africana que estou a coordenar e que vai ser lançado em breve na plataform Coursera, seja um sucesso e que muitos estudantes, especialmente africanos, possam usufruir do conhecimento de tantos especialistas que se uniram para criar este curso. O segundo é conseguir que o “No Algarbage- zero waste in tourism”, ganhe asas e possa contribuir de forma palpável para a redução do desperdício alimentar, no Algarve, em Abu Dhabi e no mundo!
Como é o seu dia-a-dia de trabalho em Abu Dhabi?
Desde que fundei a Teiduma que trabalho online, em casa. Muito antes do Covid o meu escritório já era móvel, acompanhando as andanças da minha família que é um pouco nómada. Como aqui a diferença horária com a Europa é entre três e quatro horas, aproveito essas horas de avanço para começar o dia com trabalho que necessite foco: ler, pesquisar, escrever. Só depois de umas três horas de trabalho focado, vejo e respondo a e-mails, telefonemas ou tenho reuniões por zoom/ teams. Muitas vezes também aproveito para, entre uma coisa e outra, fazer exercício! Isso ajuda muito na produtividade e saúde mental, algo fundamental para um empreendedor. O burnout é real. Há que ter muito cuidado com isso. Normalmente, o dia de trabalho acaba cedo, por volta das 16h quando os meus filhos voltam da escola. Claro que as vezes não dá para fechar logo o escritório, pela tal diferença horária, mas tento fazer isso a maior parte dos dias.
Que conselhos dá a quem gostaria de criar um negócio próprio?
Procurar formação na área do empreendedorismo é fundamental. Perceber o que é necessário, o que implica. Conhecer outros casos, aprender do que correu mal, perceber o que correu bem. No início da Teiduma, inscrevemo-nos no programa ‘Barcelona ativa’, o programa de desenvolvimento local de Barcelona e, em Portugal, tenho que referir o trabalho do Cria, na Universidade do Algarve, uma referência no empreendedorismo na região. O que aprendi com ambas entidades ajudou-me muito para fazer o plano de negócios, pensar o mercado e perceber que precisava mesmo de um contabilista, algo que aconselho vivamente! O mundo da fiscalidade é complicado e podemos fazer erros sem nos apercebermos. Aprender que não temos que fazer tudo sozinhos, é muito importante! Outra coisa a ter em conta é que mesmo as pequenas coisas que correm mal ao início, fazem-nos questionar se somos capazes, se vale a pena, etc. Por isso, penso que aprender e conhecer o mundo onde se está a entrar, o que implica e como fazer o melhor possível quando estamos a começar é mesmo importante.
Como “mata” saudades do nosso País?
Como a maioria dos portugueses, através da nossa maravilhosa gastronomia! Onde quer que estejamos, mantemos uma alimentação o mais mediterrânica possível. E claro, indo a Portugal nas férias, desfrutar da família e dos amigos.