Vítimas de violência doméstica podem vir a ser obrigadas a depor em tribunal

O grupo de trabalho do Conselho Superior de Magistratura propôs a proibição de toda e qualquer testemunha de um processo-crime, seja ou não vítima, de se recusar a depor em julgamento, caso tenha prestado declarações às autoridades em fase de inquérito, salientou esta quarta-feira o jornal ‘Público’.

A proposta é controversa em casos de violência doméstica, cujas vítimas podem vir a ser obrigadas a depor em tribunal. Os magistrados em tais casos sabem que as principais dificuldades em obter uma condenação resulta do facto de as vítimas frequentemente voltarem com a palavra atrás quando inquiridas durante o julgamento, por medo de represálias. Quando não existe outro meio de prova além das suas declarações – o que é comum, dado ser um crime geralmente cometido dentro de portas – o arguido acaba por ser ilibado.

“Esta alteração legislativa pode ter um especial impacto nos processos de violência doméstica”, frisou o procurador Rui Cardoso, membro do grupo de trabalho. “A vítima fica mais protegida da eventual coação do agressor. Que hoje, se conseguir convencê-la a não prestar depoimento em sede de julgamento, conseguirá que só com grande dificuldade haja prova contra si – ou que não haja mesmo prova nenhuma. Com esta alteração esse novo crime de tentar coagir a vítima ao silêncio deixará de compensar, porque a testemunha continua obrigada a depor”, apontou, negando qualquer efeito perverso para a vítima.

Elisabete Brasil, da FEM – Feministas Em Movimento -, criticou a medida. “Ao calarem-se durante o julgamento, as queixosas passam de vítimas a criminosas. Ora o sistema judicial já as castiga o suficiente neste momento, ao não pôr em prática várias diretivas e ao não dar cumprimento à legislação que permite julgar de forma sumária, em 48 horas, os agressores apanhados em flagrante”, referiu, salientando que esta medida “não vai resolver nada”.

“Entre o tribunal e o agressor, as vítimas não vão hesitar: a balança vai pender a favor do silêncio”, salientou a responsável, garantindo que “o sistema judicial não pode responsabilizar as vítimas pelos seus insucessos”.