Vigilância a navios russos em águas portuguesas aumentou para cinco vezes mais em dois anos

A presença de navios estrangeiros, especialmente russos, em águas sob jurisdição portuguesa tem vindo a aumentar de forma significativa, levando a Marinha e a Força Aérea a reforçarem as missões de monitorização. Só em 2024, foram realizadas 73 missões de acompanhamento a embarcações externas à NATO, um número cinco vezes superior ao registado em 2022. O principal foco das autoridades portuguesas tem sido a proteção dos cabos submarinos, infraestrutura crítica para as comunicações globais e na qual Portugal assume um papel geoestratégico central.

Entre os navios que passaram por águas portuguesas nos últimos meses, destaca-se a fragata russa Almirante Gorshkov, uma das embarcações mais avançadas da frota russa, capaz de disparar mísseis hipersónicos Zircon. Em dezembro de 2024, esta fragata foi avistada pela terceira vez num só ano, levando à mobilização de meios da Marinha e da Força Aérea para a acompanhar.

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, as autoridades portuguesas já realizaram 133 missões de monitorização a navios não pertencentes à NATO. O número de operações aumentou de forma expressiva ao longo dos anos: 14 em 2022, 46 em 2023 e 73 em 2024, revelam as contas do Jornal de Notícias.

Grande parte das embarcações monitorizadas eram russas, incluindo navios mercantes, que podem estar a contornar as sanções internacionais, e embarcações militares, que levantam preocupações de segurança. Em novembro de 2024, a Marinha já alertava para um “aumento de movimentos sem precedente” de navios não-NATO em águas portuguesas.

Força Aérea monitorizou quase 50 navios estrangeiros em 2024
Além da Marinha, também a Força Aérea tem acompanhado esta movimentação. Em 2024, as aeronaves portuguesas detetaram 44 navios russos, três chineses e um indiano a cruzarem as águas nacionais. Os dados relativos a anos anteriores não foram divulgados.

A preocupação com estas movimentações levou o Ministério da Defesa a adotar uma nova política de comunicação. No início de 2024, foi anunciado que a partir de então deixariam de ser emitidos comunicados sempre que uma missão de acompanhamento fosse realizada. “As missões continuam a ser realizadas, só deixam de ser comunicadas”, explicou fonte próxima do processo.

Ainda assim, em resposta ao Grupo Parlamentar do PSD, o gabinete do ministro da Defesa, Nuno Melo, admitiu a 19 de dezembro que “com a guerra na Ucrânia, as águas de jurisdição portuguesa têm observado um incremento de movimentos de navios não-NATO”.

Uma das maiores preocupações levantadas pelas autoridades internacionais prende-se com a vulnerabilidade dos cabos submarinos que atravessam o Atlântico e garantem grande parte das comunicações mundiais.

Durante a sua visita a Lisboa, em janeiro de 2024, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, alertou o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, para a ameaça russa. “As ameaças da Rússia podem parecer distantes, mas deixe-me assegurar-lhe que não são. Navios russos e bombardeiros de longo alcance ameaçam a costa portuguesa”, afirmou Rutte. O responsável acrescentou que “a infraestrutura submarina vital de Portugal está diretamente na mira da Rússia”.

Especialistas alertam que 90% das comunicações globais dependem de cabos submarinos, incluindo serviços bancários, transações financeiras e telecomunicações. Para Sandra Fernandes, especialista em Relações Internacionais da Universidade do Minho, o aumento da presença russa desde o início da guerra na Ucrânia “é claro” e existem “fortes suspeitas de que os navios russos estejam equipados para recolha de informação”.

Um dos casos mais preocupantes foi a passagem do navio Yantar por águas portuguesas, em novembro de 2023. Oficialmente, esta embarcação russa destina-se à investigação oceanográfica, mas os países da NATO acreditam que a sua verdadeira missão passa pelo mapeamento dos cabos submarinos.

Os navios russos monitorizados em Portugal incluem não só fragatas e embarcações mercantes, mas também submarinos e navios especializados em espionagem.

Em março de 2023, uma operação de vigilância a um navio russo gerou polémica quando quatro sargentos e nove praças da Marinha se recusaram a embarcar na corveta NRP Mondego para cumprir a missão. Posteriormente, o chefe do Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo, revelou que a embarcação russa era um navio-espião, cuja atividade consistia em mapear cabos submarinos e outras infraestruturas estratégicas.

Entre os navios russos mais temidos está o submarino Novorossiysk, considerado um dos mais avançados da marinha russa para operações secretas e recolha de informação. A Rússia afirma que é um submarino “indetetável”, mas a Força Aérea Portuguesa conseguiu captá-lo em imagem durante uma das suas missões de acompanhamento. O submarino estava acompanhado pelo navio rebocador Evgeniy Churov, que também passou por águas portuguesas.

No segmento de embarcações mercantes, o General Skobelev, um cargueiro russo, foi identificado quatro vezes a cruzar o espaço marítimo nacional apenas em 2024.

A presença crescente de navios russos e de outros países não pertencentes à NATO nas águas portuguesas reflete o aumento da tensão geopolítica global e reforça a necessidade de monitorização ativa por parte das forças militares portuguesas.

Portugal, situado numa posição estratégica entre a Europa, a América e África, tem um papel crucial na segurança marítima e na proteção das infraestruturas submarinas, num contexto em que a guerra na Ucrânia continua a ter repercussões muito além das suas fronteiras.