Venda de bens russos congelados pela UE? Especialista diz que “parece ser atentatória dos princípios mais elementares do Estado de Direito”

Na semana passada surgiram várias notícias na comunicação social que davam conta de que a Comissão Europeia estaria a considerar apropriar-se dos bens apreendidos a oligarcas e instituições russas, para vendê-los e, com o dinheiro, financiar a reconstrução da Ucrânia.

No entanto, esta questão poderá ser mais complexa do que inicialmente se possa pensar, visto que para Bruxelas passar os bens congelados para a sua posse, teria de os retirar aos seus atuais proprietários, algo para o qual o executivo não tem competências legais.

Consultado pela ‘Executive Digest’, Luís Pinto Monteiro, especialista em Direito Europeu e da Concorrência na firma Garrigues, explica que “numa primeira impressão, parece ser atentatória dos princípios mais elementares do Estado de Direito”. Para vender os bens congelados, a UE teria de os confiscar primeiro, e para isso precisaria de uma moldura legal que sustente essa ação. Se esse sustento lega não existir, seria uma violação do direito à propriedade privada, “até há bem pouco tempo era reconhecida pelos diversos Estados Membros da UE”.

O especialista acrescenta que o bloco dos 27 europeus não se pode deixar levar por impulsos que se aproximam do populismo, correndo o risco de perder toda a base moral para condenar um regime como o de Vladimir Putin.

“A UE critica ordenamentos jurídicos que passam por cima de direitos. Se a CE for para a frente com esta medida, está a fazer exatamente o mesmo, e será motivado por uma postura populista”, sublinha o especialista.

Se a UE for para a frente com este confisco e venda, “fica a ideia de que os princípios fundamentais são elásticos e ajustam-se às conveniências”, e isso “enfraquece a credibilidade dos ordenamentos jurídicos”. Para se apropriar e poder dispor dos bens apreendidos, a UE terá de se apoiar numa base legal, a qual ainda não existe.

Os Estados Unidos também já se demonstraram favoráveis a uma abordagem semelhante, com o líder da maioria democrata no Senado norte-americano a avançar que estaria a ser desenvolvido um plano para liquidar os bens congelados à Rússia e para aplicá-los na reconstrução da Ucrânia.

Estima-se a Comissão Europeia tenha congelado cerca de 30 mil milhões de euros em bens russos de indivíduos e entidades associados ao governo de Putin. Este valor seria acrescido de mais milhares de milhões de euros em fundos congelados em instituições bancárias com ligações ao Kremlin, designadamente o Banco Central da Rússia.

A Rússia anunciou esta segunda-feira que iria também confiscar propriedades de pessoas com laços aos países ocidentais, numa lógica de “pagamento na mesma moeda” à proposta de Washington e, também em certa medida, à ideia alegadamente em discussão em Bruxelas.

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