António Costa diz que Europa deve “ouvir o que Donald Trump tem a dizer”
António Costa, que assume o cargo de presidente do Conselho Europeu a 1 de dezembro, abordou os desafios prementes para a União Europeia numa entrevista abrangente e franca. Ao jornal Público ex-primeiro-ministro português destacou que a Europa se encontra num momento crucial, enfrentando uma guerra na Ucrânia, a ascensão da extrema-direita e a eleição de Donald Trump, cujas posições têm gerado tensões com o bloco europeu. “Infelizmente, a realidade não nos permite selecionar o maior desafio, porque estão todos presentes”, afirmou, referindo-se à agenda estratégica da UE que inclui a paz, a prosperidade e a defesa de valores fundamentais.
Relacionamento com os EUA e o impacto de Donald Trump
Costa reconheceu que o diálogo com os Estados Unidos será inevitavelmente marcado pela postura protecionista de Trump, mas defendeu que a relação deve ser conduzida com pragmatismo e respeito mútuo. “Vamos ter de ter com os Estados Unidos um diálogo franco entre países que são aliados, que são parceiros e que têm uma relação que está obviamente acima de quem, circunstancialmente, exerce funções do lado de cá ou do lado de lá do Atlântico”, declarou, sublinhando que devemos “ouvir o que Donald Trump tem a dizer”.
O líder europeu sublinhou a importância de lidar com as prioridades norte-americanas, incluindo as tarifas comerciais e as exigências de maior investimento europeu em defesa. Costa destacou a evolução dos gastos de defesa entre os membros da NATO, com muitos já superando a meta de 2% do PIB, uma questão que Trump frequentemente criticou no passado. “É uma realidade que ele terá seguramente em conta”, afirmou.
Guerra comercial e a necessidade de equilíbrio
A possibilidade de uma guerra comercial entre os EUA e a Europa, com o aumento de tarifas sobre produtos europeus, foi outro ponto abordado por Costa. Alertou para os riscos de tal cenário: “Num momento de guerra militar, abrir uma guerra comercial é, seguramente, deitar gasolina sobre o fogo. Não há nenhuma guerra comercial que promova a prosperidade, nem do lado cá do Atlântico, nem do lado de lá.” Costa também destacou a necessidade de proteger a economia europeia enquanto se reforça a autonomia em matéria de defesa. “É do interesse dos Estados Unidos, também pelo esforço de defesa que temos de fazer, não enfraquecer a economia europeia”, concluiu.
Compromisso inabalável com a Ucrânia
O apoio europeu à Ucrânia foi reafirmado de forma categórica. Costa declarou que esse compromisso “não é só para a guerra, mas também para a paz e a reconstrução.” Apesar da incerteza sobre o futuro apoio militar dos EUA à Ucrânia, caso Trump decida reduzir ou retirar o envolvimento norte-americano, Costa manteve uma posição firme. “Não determinamos a nossa posição em função da forma como os outros determinam a sua. Determinamo-la em função dos nossos princípios”, sublinhou, referindo-se à determinação da União Europeia em apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário.
O presidente do Conselho Europeu rejeitou cenários que pudessem enfraquecer o apoio à Ucrânia, alertando que a retirada do apoio dos EUA teria um impacto significativo, mas não inviabilizaria os esforços europeus. “Com o que já está assegurado até ao final de 2025 e também com o apoio de outros parceiros, não é impossível à União Europeia manter o apoio firme à Ucrânia”, disse.
A dimensão global da União Europeia
Costa apelou à construção de uma “rede global de parcerias”, enfatizando a necessidade de a Europa olhar além dos Estados Unidos e da China. “A Europa tem de reconstruir uma relação de parceria com a diversidade do mundo de hoje”, afirmou, rejeitando a visão homogénea de um “Sul Global”. Ele citou países como o Brasil, a Nigéria e a Indonésia como exemplos de parcerias que a UE deve fomentar, respeitando a diversidade geopolítica.
No que toca à Ucrânia, Costa reiterou que a Europa deve liderar os esforços para garantir uma paz duradoura e justa, reconhecendo que o compromisso internacional será essencial para evitar que o direito internacional seja subordinado à força. “A agressão não pode vencer”, declarou enfaticamente.
Apesar dos desafios, Costa demonstrou otimismo em relação ao futuro da União Europeia, especialmente no que diz respeito à expansão do bloco para incluir os Balcãs Ocidentais e a Ucrânia. “Este próximo alargamento é um grande investimento geopolítico”, afirmou, destacando que todos os processos de adesão devem seguir critérios de mérito e evolução.