Vale de Judeus: PSP soube da fuga três horas depois e PJ cinco. Governo “perplexo e incomodado” prepara-se para fazer rolar cabeças

A recente fuga, no fim de semana, de cinco reclusos da prisão de Vale de Judeus, no passado sábado, desencadeou uma série de críticas ao funcionamento do sistema prisional português e à resposta das autoridades. O episódio trouxe à tona questões sobre a segurança das cadeias, a gestão das forças prisionais e a falta de comunicação eficiente entre as instituições envolvidas. O Governo, surpreendido e “perplexo” com a forma como a situação foi gerida, já pediu explicações formais e está a ponderar consequências.

Relatório preliminar sobre a fuga já nas mãos da ministra
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, deverá receber esta manhã o relatório preliminar relativo à fuga, embora já tenha conhecimento das principais conclusões. “A ministra já tem toda a informação que lhe permite ter uma visão nítida do que aconteceu, o que falhou, que conclusões políticas vai tirar e que decisões vai tomar em função do que se passou”, revelou ao Diário de Notícias uma fonte do Governo que tem acompanhado de perto o caso.

Segundo essa mesma fonte, ainda existem “perguntas sem resposta”, mas o conteúdo do relatório já permite entender os erros que culminaram na evasão dos reclusos e a ineficácia da reação inicial.

Críticas à demora na comunicação com as forças policiais
Uma das questões mais controversas refere-se ao tempo que as autoridades demoraram a ser notificadas sobre a fuga. As imagens das câmaras de videovigilância registaram o início da evasão às 9h56 de sábado, mas a Polícia de Segurança Pública (PSP) só foi informada da fuga quase três horas depois, às 12h52. A situação é ainda mais grave no que respeita à Polícia Judiciária (PJ), que apenas foi notificada cerca de cinco horas depois, às 15h, segundo notícia o Público.

A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), responsável pelo estabelecimento prisional, não seguiu os procedimentos estipulados numa circular interna de 2017, que obriga à comunicação “pelos meios mais expeditos” às forças de segurança, como a GNR e a PJ, no caso de uma fuga. Esta falha na comunicação originou críticas internas e externas, e poderá ser decisiva nas decisões políticas a tomar nos próximos dias.

Silêncio da ministra alvo de críticas
Desde o incidente, a ministra da Justiça tem mantido silêncio, o que levou a oposição e analistas políticos a criticarem a sua postura. Luís Marques Mendes, ex-presidente do PSD, foi uma das vozes mais notórias a exigir uma explicação rápida sobre o que se passou, acusando o Governo de “falta de transparência” e a ministra de não assumir a liderança numa situação tão grave.

A ausência de declarações da ministra será corrigida com a sua intervenção esperada para hoje, quando se prevê que apresente as primeiras conclusões sobre o que correu mal e quais as medidas a adotar para evitar novos episódios deste tipo.

Desconforto no Governo com gestão do diretor-geral da DGRSP
Outra figura central no processo é Rui Abrunhosa Gonçalves, diretor-geral da DGRSP, que, segundo várias fontes, está numa “situação muito delicada” devido à forma como geriu a comunicação da fuga. A sua presença na conferência de imprensa de domingo, ao lado de representantes da GNR e da PSP, gerou incómodo no Governo.

“O que foi tornado público e o modo como o diretor-geral procurou justificar a fuga provocou incómodos e perplexidades no Governo”, afirmou uma fonte governamental, deixando transparecer que o cargo de Rui Abrunhosa poderá estar em risco. O diretor-geral, no entanto, reafirmou que se manterá no posto “enquanto a tutela assim o entender”.

Governo admite falta de recursos, mas diretor da DGRSP nega
O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, ao comentar o caso, associou a fuga a um “ciclo de desinvestimento nos serviços prisionais e às dificuldades de recursos humanos”. Esta declaração entra em contradição com as palavras de Rui Abrunhosa, que rejeitou a ideia de que o número de guardas prisionais no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus fosse insuficiente. Segundo o diretor, havia 33 guardas de serviço no dia da fuga, para cerca de 500 reclusos, um rácio muito acima da média europeia, que é de 3,8 reclusos por guarda, de acordo com o relatório SPACE do Conselho da Europa.

Contudo, o cenário descrito pelo diretor da DGRSP não coincide com as queixas de sindicatos e especialistas, que há muito alertam para a falta de recursos e condições adequadas nas prisões portuguesas. Sérgio Brilhante, dirigente sindical dos guardas prisionais, mencionou que “há muito que reivindicamos o aumento dos muros e a instalação de redes laminadas”, sem sucesso. E questionou: “Se tivéssemos detectado a fuga a tempo e os evadidos estivessem armados, o que teria acontecido?”

A ajuda externa e a falha de segurança
De acordo com as investigações em curso, os cinco reclusos contaram com ajuda externa para consumar a fuga. Utilizando telemóveis e auriculares, os fugitivos coordenaram as suas ações com indivíduos fora da prisão, que forneceram escadas e facilitaram o corte das redes de arame do perímetro. As imagens captadas pelas câmaras de videovigilância mostram que os reclusos usaram gorros e luvas, evitando deixar impressões digitais ou serem identificados.

A operação de fuga, descrita pela PJ como “altamente profissional e associada ao crime organizado”, revelou falhas críticas no sistema de segurança do estabelecimento prisional. Algumas câmaras de vigilância estavam avariadas, e a falta de guardas prisionais impediu uma monitorização eficaz do pátio de recreio, onde a fuga teve início. A ronda que identificou a evasão ocorreu apenas 45 minutos depois, tempo durante o qual os reclusos já haviam ultrapassado os muros da prisão.

Diretores de prisões alertam para o risco de novas fugas
Luís Couto, presidente da Associação de Diretores e Adjuntos de Estabelecimentos Prisionais (ADAEP), afirmou que a fuga de Vale de Judeus não é um caso isolado, alertando que episódios semelhantes podem acontecer novamente devido ao desinvestimento crónico no sistema prisional. “Há uma desmotivação geral do pessoal que trabalha nas prisões, desinvestimento nas infraestruturas e falta de condições de trabalho”, disse Couto, que há muito teme uma fuga desta dimensão.

O responsável destacou ainda que muitos dos estabelecimentos prisionais em Portugal têm mais de 100 anos e já não respondem às necessidades dos tempos atuais. “As prisões precisam de modernizar os sistemas de videovigilância, reforçar o número de guardas prisionais e melhorar os recursos materiais e humanos”, sublinhou, pedindo uma intervenção urgente do Governo.

Consequências políticas à vista
Perante este cenário de fragilidade e ineficácia, a ministra da Justiça deverá anunciar, nas próximas horas, as medidas a adotar para corrigir as falhas detetadas. É esperado que o relatório preliminar forneça as bases para decisões políticas que poderão passar por mudanças nas chefias do sistema prisional, investimentos em equipamentos e reforço dos efetivos. O Governo, “perplexo” com o sucedido, tem agora de dar uma resposta rápida e eficiente para restaurar a confiança no sistema prisional português e evitar que novos casos como o de Vale de Judeus voltem a ocorrer.

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