Uma ‘Purga’ (igual aos filmes) ou uma ‘noite de cristal’ (como a na Alemanha nazi): Trump quer instituir um dia “mesmo violento” para combater o crime
O candidato presidencial Donald Trump causou polémica ao sugerir que a melhor forma de combater o crime seria permitir que a polícia agisse de forma “extraordinariamente dura” durante um dia ou uma hora, defendendo um período de violência extrema como medida pedagógica. As declarações foram feitas durante um congresso em Erie, na Pensilvânia, no domingo, e rapidamente suscitaram comparações com a saga de filmes “A Purga” e até com a “noite de cristal”, um momento sombrio da História da Alemanha nazi.
Trump, que está a concorrer para a presidência nas eleições de novembro, afirmou que, para acabar com os roubos, é necessário “deixar a polícia fazer o seu trabalho” e permitir que esta atue de forma violenta durante um período de tempo definido. “Vê-se tipos a sair das lojas com ares condicionados e frigoríficos às costas, as coisas mais loucas, e os polícias não podem fazer o seu trabalho. Dizem-lhes: ‘Se fizeres alguma coisa, vais perder a tua pensão, vais perder a tua família, a tua casa, o teu carro'”, declarou Trump, ao explicar a sua ideia.
O ex-presidente sugeriu ainda que seria necessário “um dia mesmo duro e desagradável. Um dia mesmo violento”, para que a mensagem fosse passada e os roubos cessassem. Trump exemplificou a ideia ao mencionar o congressista republicano Mike Kelly, que estava presente no evento. “Por exemplo, pôr o congressista Mike Kelly ao comando por um dia”, disse Trump, dirigindo-se ao político que representa a Pensilvânia no Congresso. “Mike, se estivesses a mandar, dirias ‘por favor, não toquem neles [ladrões], deixem-nos roubar a vossa loja, deixem todas estas lojas fechar’? Não pagam renda, depois a cidade… É uma bola de neve. É tão mau.”
O candidato concluiu a sua proposta com a sugestão de que “uma hora dura. E digo mesmo dura. A notícia espalhar-se-á e [a onda de roubos] acabará imediatamente”, sustentando que a violência policial serviria como exemplo para desencorajar a criminalidade.
Trump appears to endorse ‘The Purge’ as policy:
“If you had one really violent day.. .. … One rough hour. And I mean real rough. The word will get out and it will end immediately.” @Acyn
pic.twitter.com/SlqxPfF97B— The Intellectualist (@highbrow_nobrow) September 29, 2024
Comparações com “A Purga”
As declarações de Trump levaram muitos a fazer uma ligação com a célebre saga de filmes “A Purga”. A série de filmes, iniciada em 2013 e com um total de cinco produções até agora, apresenta um cenário fictício onde, durante uma noite específica do ano, todos os crimes são legalizados nos Estados Unidos, resultando numa onda de violência generalizada.
Criada por James DeMonaco, a saga foi concebida como um comentário político sobre a realidade norte-americana. No terceiro filme, “A Purga: Ano de Eleições” (2016), a narrativa tornou-se ainda mais crítica, explorando o conflito entre dois candidatos presidenciais fictícios que tentam assassinar os seus rivais, com destaque para uma visão política conservadora e autoritária, que reflete atitudes de supremacia branca.
O slogan de marketing do terceiro filme, “Keep America Great” (“Mantenham a América Grande”), foi mais tarde adotado por Donald Trump para a sua campanha de reeleição nas Presidenciais de 2020, aumentando ainda mais as semelhanças. O mais recente filme da saga, “A Purga: Adeus América” (2021), também aborda questões de xenofobia e violência extremista, com um grupo racista que tenta transformar a “Purga” numa regra permanente, contrastando com a narrativa de Trump em relação à imigração.
A “noite de cristal” e a brutalidade aprovada pelo Estado
A sugestão de Trump também foi comparada à “noite de cristal” (“Kristallnacht”), um dos momentos mais sombrios da História alemã. Durante a noite de 9 de novembro de 1938, as forças paramilitares nazis, incluindo as SA e as SS, desencadearam um ataque coordenado contra casas, lojas e sinagogas judaicas em toda a Alemanha e na Áustria ocupada, num ato que resultou em destruição generalizada e marcou o início de uma campanha sistemática de perseguição aos judeus. O nome “noite de cristal” refere-se aos fragmentos de vidro espalhados pelas ruas após a destruição de milhares de lojas e montras.
Embora existam diferenças claras entre a proposta de Trump e a “noite de cristal”, o que ambos os eventos partilham é a ideia de violência legitimada e sancionada pelo Estado. No caso de Trump, a proposta envolve a autorização da brutalidade policial por um período limitado, enquanto, na “Kristallnacht”, o governo nazi incentivou as forças paramilitares a agir de forma violenta contra a comunidade judaica.
Apesar de Trump não propor o ataque a lojas, como aconteceu na Alemanha nazi, a sugestão de permitir que as autoridades atuem de forma “extraordinariamente dura” para proteger as propriedades e combater os ladrões levou a uma associação inevitável com este capítulo sombrio da História. A ideia de Trump parte do mesmo princípio de permitir que a violência seja utilizada como ferramenta de controlo e dissuasão, com o Estado a legitimar o uso de força extrema para atingir os seus objetivos.
Reações e críticas
A sugestão de Trump foi recebida com preocupação e críticas por diversos setores da sociedade, que alertaram para os perigos de normalizar a violência estatal como forma de combate ao crime. A internet rapidamente reagiu, com muitos a partilhar as semelhanças entre a ideia do ex-presidente e o enredo de “A Purga”, bem como o paralelo histórico com a “noite de cristal”.
Especialistas em segurança e direitos humanos também alertaram para os riscos de uma proposta que poderia abrir caminho para abusos de poder e violação dos direitos civis. As declarações de Trump levantam questões sobre os limites da atuação policial e a necessidade de garantir que as forças de segurança operem dentro dos princípios do Estado de Direito, em vez de recorrer a práticas que evocam períodos de violência sancionada pelo Estado.
Embora a ideia de um “dia mesmo violento” possa ter sido apresentada por Trump como uma solução radical para o problema dos roubos, a sugestão ressoou de forma alarmante para muitos, que veem nela ecos de ficção distópica e de um passado que não deve ser repetido.