UE prepara-se para enfrentar a maior chantagem de Trump (até agora): cortes à Ucrânia, tropas fora da Europa e nova guerra comercial
A União Europeia enfrenta um dos momentos mais delicados da sua relação com os Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria. A três semanas da cimeira anual da NATO, que se realizará em Haia, cresce o receio em Bruxelas de que o presidente norte-americano Donald Trump, agora no seu segundo mandato, possa usar o apoio à Ucrânia, a presença militar americana na Europa e as tarifas comerciais como instrumentos de chantagem política. A Europa prepara-se para o pior.
Entre os sinais mais evidentes de mudança está o anúncio da primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, de que o seu governo pretende aumentar o investimento em defesa até aos 5% do PIB — um valor que se tornará, segundo vários aliados, o novo limiar mínimo exigido pela NATO sob impulso de Trump. Embora a decisão só deva ser formalizada na próxima cimeira da Aliança, os parceiros europeus já estão em alerta.
“Na última vez, tivemos um papel de liderança no grupo dos frugais. Da próxima vez, teremos um papel de liderança noutro grupo”, declarou Frederiksen, referindo-se ao bloco dos países tradicionalmente austeros, como Alemanha, Suécia, Áustria e os Países Baixos de Mark Rutte — este último atualmente secretário-geral da NATO. A líder social-democrata dinamarquesa sublinhou ainda: “Enquanto dinamarqueses, seremos sempre duros nas negociações orçamentais. Mas já não é apropriado continuarmos a fazer parte da força frugal”.
Este realinhamento dinamarquês, há pouco tempo impensável, insere-se numa nova realidade continental. Muitos veem neste movimento um reflexo das tentativas de Donald Trump de reatar relações com Moscovo e da pressão exercida sobre a Dinamarca em particular, devido às conhecidas ambições do presidente norte-americano sobre a Gronelândia.
Rearmamento europeu e autonomia estratégica
Tal como Frederiksen, outros líderes europeus têm defendido uma maior independência da Europa no domínio da segurança e da defesa. O presidente francês Emmanuel Macron, o chanceler alemão Friedrich Merz e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, estão entre os principais defensores desta estratégia.
Numa entrevista à revista Der Spiegel, a chefe do governo dinamarquês afirmou: “Quando falo de rearmamento, penso em termos europeus. Foi um erro grave reduzir drasticamente os nossos orçamentos depois do fim da Guerra Fria. Enquanto europeus, devemos perguntar-nos: se não estamos dispostos a lutar por nós próprios agora, quem somos?”.
Para Frederiksen, a resposta é clara: “A Europa não é apenas um ponto no mapa. Representa os nossos valores, as nossas ideias, a nossa visão do mundo, a nossa forma de vida e de construir sociedades. Se perdermos a vontade de lutar por isso, perdemo-nos a nós próprios”.
A sombra de uma chantagem tripla
O contexto geopolítico está longe de ser favorável. De acordo com o Financial Times, a Comissão Europeia avalia atualmente três cenários potencialmente catastróficos em caso de uma viragem hostil da Casa Branca: a suspensão da ajuda militar e financeira à Ucrânia, a retirada de tropas americanas da Europa e o início de uma guerra comercial em larga escala com a UE.
O antigo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, já alertara em novembro de 2024: “Todas estas crises, todas ao mesmo tempo: é a tempestade perfeita”. Borrell antecipava que Trump poderia pressionar Bruxelas com raciocínios do tipo: “Se não me derem um bom acordo comercial, não apoiaremos a Ucrânia” ou “Se me pressionarem para apoiar a Ucrânia, aumentaremos as exigências quanto ao vosso esforço financeiro na NATO”.
Na prática, duas dessas medidas já foram parcialmente aplicadas — a suspensão da ajuda a Kyiv e a interrupção da partilha de informação de inteligência — antes de serem revertidas pelo próprio Trump.
Fontes da Comissão Europeia admitem que se passou de um planeamento estratégico centrado em cenários ideais para uma abordagem de contenção de danos. “No comércio, na defesa e na Ucrânia, a escolha é entre um mau resultado e um ainda pior”, reconheceu um responsável europeu citado pelo Financial Times.
Trump pode ir tão longe?
Giuseppe Spatafora, especialista em relações transatlânticas no Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (EUISS), acredita que tudo dependerá da conjuntura e da perceção do presidente norte-americano. “Se achar que a Europa deve ceder em algo – seja no comércio, seja na despesa em defesa –, poderá decidir retirar tropas”, afirmou ao jornal El Español.
Contudo, Spatafora nota que, nos últimos tempos, a Administração Trump tem procurado reforçar a ideia de que os EUA não abandonarão o continente europeu. O mesmo se aplica à Ucrânia: “Poderia suspender a ajuda se considerar que é um obstáculo à paz. Mas recentemente tem adoptado uma postura mais dura com Putin”, concluiu o investigador, acrescentando que “tudo está ainda por definir”.
Para Ursula von der Leyen, contudo, a margem de ilusão é nula. “Não podemos permitir-nos cair, mais uma vez, na falácia de que a tempestade passará”, alertou a presidente da Comissão. “Que tudo voltará a ser como antes, se a guerra acabar, se houver um acordo aduaneiro, ou se as próximas eleições tiverem outro resultado. Não, isso não acontecerá”, avisou, numa intervenção da semana passada.
O calendário internacional não dá tréguas. Dentro de pouco mais de uma semana, os líderes do G7 irão reunir-se no Canadá. A cimeira contará com a presença de Trump, bem como da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, do presidente francês Emmanuel Macron, do chanceler alemão Friedrich Merz, do primeiro-ministro britânico Keir Starmer e do anfitrião, o canadiano Mark Carney — um dos líderes ocidentais mais críticos das políticas de Trump em relação aos seus aliados.
A semana seguinte será marcada pelo encontro de alto nível da NATO em Haia. Os líderes europeus esperam que o anúncio de aumentos substanciais nos orçamentos de defesa, conforme exigido por Washington, possa acalmar o ímpeto confrontacional de Trump. Porém, em Bruxelas, poucos se mostram otimistas. O receio de um novo isolamento dos Estados Unidos e de uma nova era de instabilidade transatlântica paira sobre todas as decisões.