“Tudo o que nos disseram era mentira”: Soldados chineses capturados na Ucrânia afirmam que a Rússia “não é tão forte como dizem”

Dois cidadãos chineses capturados pelas forças ucranianas enquanto combatiam ao lado das tropas russas na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, acusaram Moscovo de mentir sobre as reais capacidades do seu exército e sobre a situação no terreno. Durante uma conferência de imprensa realizada esta segunda-feira em Kyiv, Wang Guanjung e Zhang Renbo descreveram as suas experiências e apelaram aos compatriotas a não se envolverem na guerra.

“Tudo o que a Rússia nos disse era mentira. São falsidades. A Rússia não é tão forte como dizem, e a Ucrânia não é tão atrasada como afirmam”, declararam os dois homens em uníssono perante os jornalistas.

A revelação da presença de soldados chineses entre as fileiras russas ganhou destaque após o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, divulgar imagens que, segundo ele, provam a participação de cidadãos chineses na guerra. A captura de Wang e Zhang representa o primeiro caso conhecido de detenção de cidadãos da China a combater do lado de Moscovo.

Zelensky afirmou ainda, através de uma publicação na plataforma X (antigo Twitter), que “há informações que indicam que existem muitos mais cidadãos chineses integrados nas unidades ocupantes”, estimando um total de 155 indivíduos de nacionalidade chinesa a lutar pelo Kremlin.

De acordo com a publicação russa independente Important Stories, 51 cidadãos chineses terão passado pelo centro de recrutamento militar por contrato de Moscovo entre junho de 2023 e maio de 2024.

Wang, nascido em 1991, afirmou ter-se alistado no exército russo após ver um anúncio no TikTok, que prometia salários superiores à média praticada na China. Já Zhang, nascido em 1998, explicou que viajou para a Rússia em dezembro para trabalhar na construção civil, mas acabou recrutado para o serviço militar. Ambos negaram qualquer ligação ao governo de Pequim e garantiram que não mataram soldados ucranianos.

“Para os cidadãos [chineses] que queiram participar na guerra, queremos dizer que não o façam”, sublinharam, visivelmente emocionados.

Tensão crescente entre China, Rússia e Ocidente
Apesar de Pequim manter uma posição oficial de neutralidade no conflito, a cooperação entre a China e a Rússia tem gerado alarme crescente nas capitais ocidentais. Segundo Tammy Bruce, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, “a China é um dos principais facilitadores da Rússia nesta guerra”, assegurando que 80% dos bens de uso dual (civil e militar) de que Moscovo necessita para sustentar o esforço de guerra provêm da China.

Durante uma conferência de imprensa em 10 de abril, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Lin Jian, rejeitou qualquer envolvimento direto: “A China não iniciou a crise na Ucrânia, nem é parte dela”, declarou.

No entanto, as reações não tardaram a surgir. O político holandês Jan Paternotte escreveu na rede X: “Soldados chineses capturados na Europa. Não como pacificadores, como Pequim sugeriu cinicamente. Mas como mercenários ao serviço da invasão de Putin. É impossível que o governo chinês não soubesse. A Europa deve deixar claro: isto é inaceitável.”

Tanto Wang como Zhang expressaram o desejo de regressar à China, e não à Rússia, num eventual cenário de troca de prisioneiros. Zhang afirmou estar ciente de que poderá enfrentar consequências legais ao regressar, mas garantiu estar preparado: “Compreendo que possa haver punição, e estou pronto para isso. Mas quero regressar a casa e estar com a minha família.”

Já Wang lamentou profundamente a sua decisão de se alistar: “A guerra real é completamente diferente do que vemos nos filmes ou na televisão. Só me arrependo de uma coisa: quero pedir desculpa aos meus pais. O meu único desejo é voltar à China e seguir todas as instruções que me permitam fazer isso.”