Trump recua numa das suas principais promessas eleitorais e deixa papel de mediador

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recuou na promessa de campanha de que conseguiria pôr fim à guerra na Ucrânia num prazo de 24 horas, tendo agora declarado que cabe a Moscovo e a Kyiv encontrar uma solução para o conflito iniciado pela Rússia. A mudança de posição foi revelada pelo The New York Times e confirmada por várias fontes diplomáticas e militares citadas pela imprensa norte-americana e europeia.

Segundo o NYT, Trump comunicou ao Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e a líderes europeus que o papel de mediador dos Estados Unidos cessava, afastando-se da linha que vinha a seguir desde o início do seu mandato em janeiro. “A Rússia e a Ucrânia terão de encontrar uma solução para a guerra por si mesmas”, terá afirmado Trump após uma conversa telefónica com o Presidente russo, Vladimir Putin.

A decisão foi interpretada por observadores internacionais como um sinal de que Trump se está a distanciar do processo de paz, numa altura em que, segundo o ex-adido de defesa britânico em Moscovo e Kyiv, John Foreman, “a Europa tem sido tratada como parva” neste processo. Foreman afirmou à Newsweek que “o abandono da política de sanções como primeiro recurso por parte de Trump vai chocar os europeus”, acrescentando que Moscovo estará “radiante” com a evolução dos acontecimentos, com “as exigências de Putin inalteradas, as suas tropas a avançar e nenhuma nova sanção imposta pelos EUA”.

Foreman sublinha ainda que esta mudança demonstra o instinto de autopreservação do Presidente norte-americano, “tendo falhado na promessa de alcançar a paz”. “Não deveríamos ficar surpreendidos. Trump tem consistentemente preferido a cenoura ao pau. É evidente que valoriza mais uma relação com a Rússia, e uma amizade peculiar com Putin, do que com a Ucrânia”, acusou o ex-adido.

Também Vuk Vuksanovic, investigador do think tank LSE Ideas, da London School of Economics, considera que Trump nunca foi um aliado empenhado da Ucrânia. “Zelensky nunca teve Trump do seu lado como um aliado completo”, disse à Newsweek, sugerindo que o Presidente dos EUA tenta agora “minimizar as críticas ao seu papel nas negociações ao transferir a responsabilidade para Moscovo e Kyiv”.

Uma promessa que esbarrou na realidade
Durante a campanha eleitoral e nos primeiros meses de presidência, Trump repetiu a promessa de conseguir resolver o conflito iniciado por Putin “em 24 horas”, apostando numa abordagem que combinava pressão económica com diplomacia direta. Essa narrativa foi alimentada até ao início de maio, quando ameaçou impor tarifas e sanções adicionais à Rússia caso Putin não aceitasse uma proposta de cessar-fogo incondicional por 30 dias.

Contudo, após a ausência do líder russo na ronda de negociações em Istambul na semana passada — para a qual Zelensky compareceu após aceitar a proposta norte-americana — Trump adotou um novo tom. “Nada vai acontecer até Putin e eu nos sentarmos juntos”, escreveu Trump na rede Truth Social, apontando para a necessidade de conversações diretas entre os dois líderes.

O New York Times adianta que Trump terá mesmo recusado juntar-se ao novo pacote de sanções imposto por União Europeia e Reino Unido contra Moscovo, citado uma vez mais por preocupações económicas. Um responsável da Casa Branca disse ao NYT que o Presidente está relutante em “comprometer as oportunidades comerciais com a Rússia”, apesar da recusa de Putin em aderir ao cessar-fogo.

Fratura transatlântica e vulnerabilidade ucraniana
A decisão de Trump de não acompanhar os seus aliados ocidentais nas sanções deixa os Estados Unidos desalinhados dos restantes membros da NATO, que continuam a pressionar Moscovo economicamente. Um diplomata europeu, citado pelo NYT, afirmou que “Trump nunca pareceu verdadeiramente empenhado” na via sancionatória e que as ameaças de Washington “foram maioritariamente performativas”.

Este afastamento tem impactos diretos para a Ucrânia. Foreman acredita que Zelensky se encontra agora “muito vulnerável”, depois de ter apostado numa transição da exigência de garantias de segurança para um cessar-fogo e negociações, apenas para se ver abandonado por Washington. O investigador britânico alertou ainda que Putin aproveitou a inação dos EUA para continuar a avançar militarmente, em particular na região do Donbass.

Apesar desta viragem, Trump ainda não interrompeu o fornecimento de armas nem de informação de inteligência à Ucrânia, nem levantou as sanções existentes, algo que, segundo Foreman, poderá mudar a qualquer momento. “À medida que os combates continuam, Trump pode ainda voltar a mudar de rumo”, declarou.