Trump já prepara saída dos EUA do Acordo de Paris (outra vez). Como decorrerá e o que vai ser diferente?

O mundo prepara-se para uma possível saída dos EUA do Acordo de Paris pelo presidente eleito Donald Trump, que poderá agir mais rapidamente e com menos restrições desta vez. A vitória de Trump nas eleições americanas na semana passada lançou uma sombra sobre a COP29, a Cimeira do Clima que começa hoje no Azerbaijão, onde líderes de vários países irão negociar a redução dos combustíveis fósseis e a assistência climática a nações mais pobres.

O Acordo de Paris, de 2015, é um pacto global entre quase 200 países que se comprometeram a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa. No entanto, esses compromissos são voluntários, e a retirada dos EUA — o segundo maior poluidor mundial — compromete a seriedade do esforço global. Esta nova ameaça à presença americana no pacto causa preocupação entre nações signatárias, que poderão questionar o esforço adicional a despender quando uma das maiores economias e poluidoras do mundo parece não estar disposta a fazer a sua parte.

David Waskow, diretor de iniciativa climática internacional do World Resources Institute, sublinha ao jornal Politico que, embora os países estejam fortemente comprometidos com o acordo, a saída dos EUA coloca em risco a capacidade global de cumprir as metas definidas. “Os países estão muito comprometidos com Paris, isso não há dúvida”, afirmou Waskow. “Mas questiono-me se o mundo conseguirá seguir com o que foi acordado em Paris.”

Estratégia de Trump e o impacto global
Trump já sinalizara em junho, através da sua campanha, que abandonaria o Acordo de Paris, como fez em 2017 durante o seu primeiro mandato. Na altura, justificou a decisão afirmando que representava os interesses do “povo de Pittsburgh, não de Paris”. Esta retórica, de cariz nacionalista, causou surpresa internacional e levantou receios de que outros países também pudessem abandonar o pacto. Contudo, como refere Todd Stern, ex-enviado climático dos EUA, “o acordo está agora numa fase diferente, e seria surpreendente ver outros países saírem por este motivo”.

Nos últimos dias, Trump reafirmou a sua posição de ceticismo climático, descrevendo a crise ambiental como uma “grande fraude” e alegando que “não temos um problema de aquecimento global”. A sua administração, uma vez no poder, poderá pedir formalmente à ONU para retirar os EUA do acordo, processo que levaria um ano para entrar em vigor — um tempo significativamente inferior ao exigido no primeiro pedido.

Este período de espera não impedirá que a administração Trump se abstenha de novos compromissos climáticos ou que ignore as metas de redução de emissões estabelecidas pela administração Biden. A saída dos EUA poderá até, segundo analistas, abrir caminho para medidas mais radicais, como a desvinculação completa do tratado da ONU de 1992, que serve de base para as negociações climáticas anuais. Tal decisão teria um efeito profundo e duradouro nos esforços de contenção do aquecimento global.

Jonathan Pershing, ex-enviado climático durante a administração Obama, alerta para o impacto económico da saída americana. “A China é o maior parceiro comercial do mundo, e a sua influência não será diminuída, mas ampliada pela ausência dos EUA”, afirmou ao mesmo jornal. Para Pershing, ao saírem, os EUA deixam espaço para que a China lidere a corrida global em tecnologias verdes, como a produção de painéis solares e veículos elétricos. “Acredito que perdemos quando os EUA estão de fora. A China ocupará o espaço, mas de maneira muito diferente”, concluiu.

Os EUA foram os principais arquitetos do Acordo de Paris e desempenharam um papel significativo na sua formulação e implementação. O pacto requer que os países signatários submetam planos nacionais de redução de emissões e atualizem o seu progresso periodicamente. Além disso, solicita que as nações mais ricas financiem projetos climáticos em países em desenvolvimento, embora não haja penalidades para o incumprimento.

Desde a criação do acordo, as emissões globais continuaram a aumentar, ainda que a um ritmo mais lento do que o previsto. Com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, desde desastres no Nepal até à Carolina do Norte, a necessidade de financiamento para adaptação e mitigação do clima aumentou para triliões de dólares anuais.

Os países que assinaram o Acordo de Paris devem apresentar novos planos climáticos até meados de fevereiro. A ausência de compromisso da maior economia do mundo poderá incentivar opositores da ação climática rigorosa na China, Índia e Europa a reduzirem os seus próprios esforços. Alden Meyer, associado sénior do think tank climático E3G, observa que “há interesses em muitos destes países que promovem uma dependência contínua dos combustíveis fósseis e resistem a uma maior ambição climática”.

A COP29 será um teste à real determinação das nações em cumprir o acordo, com expectativas de que um novo alvo de financiamento climático global, possivelmente na ordem de um trilião de dólares anuais, seja estabelecido. Representantes da administração Biden estarão presentes nas negociações, mas, com a possibilidade de um segundo mandato de Trump, os países poderão hesitar em aumentar os seus compromissos financeiros.