Tribunal norte-americano trava decisão de Trump de revogar inscrição de estudantes estrangeiros em Harvard

Um tribunal federal dos Estados Unidos suspendeu, na passada sexta-feira, a decisão da Administração Trump de revogar a certificação que permite à Universidade de Harvard matricular estudantes estrangeiros, medida que a instituição considerou inconstitucional e motivada por retaliação política.

A juíza distrital Allison Burroughs, nomeada pelo antigo presidente Barack Obama, emitiu uma ordem provisória que impede, por duas semanas, que o Departamento de Segurança Interna concretize a revogação do programa de estudantes e visitantes de intercâmbio (Student and Exchange Visitor Program) que Harvard integra há décadas.

A decisão, tomada pelo Departamento de Segurança Interna sob a liderança da secretária Kristi Noem, previa o fim da certificação da universidade com efeitos já no ano letivo de 2025-2026. A medida ameaçava diretamente os mais de 6.800 alunos internacionais da instituição — cerca de 27% do total de estudantes matriculados — e poderia obrigar Harvard a anular milhares de admissões.

Num processo apresentado no tribunal federal de Boston, Harvard acusou a Administração Trump de violar flagrantemente a Constituição dos EUA, sublinhando que a revogação teria um “efeito imediato e devastador” na universidade e na vida de milhares de estudantes.

“Sem os seus estudantes internacionais, Harvard não é Harvard”, afirmou a instituição na queixa apresentada, referindo-se à sua história de 389 anos e ao papel central que os alunos estrangeiros desempenham no seu ambiente académico e cultural.

A universidade denunciou o que considera ser uma tentativa do governo federal de controlar as universidades, obrigando-as a alinhar com a agenda política de Donald Trump. Numa carta enviada à comunidade académica, o presidente interino de Harvard, Alan Garber, escreveu que esta medida “continua uma série de ações governamentais para retaliar contra Harvard pela nossa recusa em abdicar da independência académica e em submeter-nos ao controlo ilegal do governo federal sobre o nosso currículo, o nosso corpo docente e os nossos estudantes”.

Administração Trump insiste em ligações ao extremismo e à China
A revogação da certificação foi anunciada na quinta-feira pela secretária Kristi Noem, que justificou a medida acusando Harvard de “fomentar violência, antissemitismo e de coordenar com o Partido Comunista Chinês”. Noem exigiu ainda que a universidade entregasse, no prazo de 72 horas, uma série de registos relacionados com a atividade de estudantes internacionais, incluindo vídeos e áudios de manifestações realizadas nos últimos cinco anos.

Num excerto incluído no processo judicial, Noem acusava Harvard de ter “criado um ambiente hostil para os estudantes judeus devido à sua falha em condenar o antissemitismo”.

A universidade rejeitou estas alegações, considerando que a fundamentação apresentada por Noem representa “a quintessência da arbitrariedade”, e alertou que, se a decisão fosse concretizada, lançaria no caos inúmeros programas académicos, laboratórios, clínicas e cursos — tudo isto a poucos dias das cerimónias de graduação.

Casa Branca acusa Harvard de proteger “agitadores pró-terroristas”
Antes da decisão do tribunal, a Casa Branca, pela voz da porta-voz Abigail Jackson, desvalorizou a ação judicial da universidade. “Se Harvard se preocupasse tanto em acabar com a praga de agitadores antiamericanos, antissemitas e pró-terroristas no seu campus, não estaria nesta situação”, afirmou Jackson, acrescentando: “Harvard deveria concentrar os seus recursos em criar um ambiente seguro no campus em vez de apresentar processos frívolos.”

Este conflito insere-se num movimento mais amplo da Administração Trump para forçar instituições académicas, meios de comunicação, tribunais e escritórios de advogados a alinhar com a sua visão política. Esse esforço já incluiu tentativas de deportar estudantes internacionais que participaram em protestos pró-palestinianos (mesmo sem terem cometido crimes), represálias contra escritórios jurídicos que desafiaram Trump e, inclusive, sugestões de impeachment de juízes por decisões com que o ex-presidente discordou.

A juíza Allison Burroughs justificou a sua decisão de suspensão provisória afirmando que Harvard demonstrou que poderia sofrer danos irreparáveis antes de o caso ser analisado na íntegra. As próximas audiências do processo estão marcadas para os dias 27 e 29 de maio.