“Tragam o mais graduado e abatam os outros”: Gravações de conversas entre russos revelam ordens para cometer crimes de guerra

“Captura o comandante e mata os outros todos!”. A ordem é dada por rádio e é uma entre várias captadas em comunicações intercetadas entre militares russos durante uma operação na região de Zaporizhzhia, no leste da Ucrânia. As gravações, obtidas pela CNN Internacional através de um oficial dos serviços de informação ucranianos, parecem coincidir em tempo real com imagens de drone que mostram o alegado assassinato de soldados ucranianos que se tinham rendido. São provas de que os comandantes russos dão ordens aos soldados para que cometam crimes de guerra contra as forças de Kiev e população ucraniana.

As imagens de drone em causa, datadas de novembro de 2024, mostram seis soldados ucranianos deitados de bruços no chão. Dois deles são, aparentemente, executados com tirso à queima-roupa, enquanto um terceiro é levado por um soldado russo de cara tapada. O caso está a ser investigado por procuradores ucranianos, que publicaram uma imagem retirada do vídeo nas redes sociais. As mesmas comunicações de rádio estão a ser analisadas como parte dessa investigação.

Embora a CNN não tenha conseguido autenticar de forma independente os ficheiros de áudio, um especialista forense que examinou as gravações afirmou não ter encontrado sinais de manipulação. Robert Maher, professor de engenharia da Universidade Estadual de Montana e especialista em análise forense de áudio, disse que os ficheiros analisados eram “consistentes” e sem indícios de adulteração.

Ordens para matar quem se rende
Nas transmissões intercetadas, ouve-se um comandante russo, cuja identidade e patente não foram reveladas, a dar instruções diretas aos seus soldados. Segundo a transcrição, as comunicações foram captadas entre as 12h05 e as 12h31, hora local, precisamente quando uma posição ucraniana estava a ser atacada. A primeira ordem para matar foi dada às 12h22:
“Pergunta quem é o comandante. Quem é o comandante? Pergunta. Captura o comandante e mata os outros todos.”

Poucos minutos depois, o comandante repete a instrução com linguagem ainda mais crua:
“Faz isso. Captura o comandante, que se f… os outros.”
“É isso. Capturem o mais graduado e livrem-se dos outros, c…!”

A mesma voz, identificada no rádio como “Beliy”, questiona repetidamente a sua unidade sobre o progresso da execução:
“Alguém, cabrões, responde, os cabrões estão a render-se ou não?”

A resposta vem de um militar identificado por “Arta”, que diz não ter encontrado nenhum comandante, apenas um “superior”. Às 12h28, uma nova ordem é captada:
“Saiam, c…! Tragam o mais graduado e abatam os outros, c…!”

Instantes depois, nas imagens do drone, um soldado ucraniano faz um gesto em direção aos russos e é imediatamente abatido com um tiro na cabeça por um militar mascarado. A voz do comandante volta a perguntar:
“Abateram-nos? É uma pergunta! Abateram-nos?”

Ao que responde:
“Matámos os outros filhos da p…”

Outro prisioneiro, que se presume ser o comandante, é então levado enquanto se despia da armadura. A operação termina com a retirada dos soldados russos, visivelmente preocupados com a aproximação de um drone ucraniano.

Para Morris Tidball-Binz, relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, o conteúdo das transmissões e as imagens de drones analisadas sugerem uma violação flagrante do direito internacional.
“Incidentes como este não aconteceriam com tal número e frequência sem ordens — ou, no mínimo, consentimento — dos mais altos comandantes militares, o que na Rússia significa a Presidência”, afirmou o especialista à CNN.

As autoridades russas não responderam ao pedido de comentário da CNN Internacional. No passado, Moscovo negou sistematicamente qualquer envolvimento em crimes de guerra, alegando tratar os prisioneiros de acordo com as convenções internacionais.

Contudo, segundo a Ucrânia, o padrão é claro. O Serviço de Segurança Ucraniano (SBU) indicou que a “unidade Storm” do 394.º Regimento de Infantaria Motorizada, parte da 127.ª Divisão da Rússia, esteve envolvida neste ataque. A mesma unidade foi ligada a outro caso na mesma região, envolvendo a decapitação de um soldado ucraniano. Os comandantes dessa unidade foram já acusados à revelia pelas autoridades ucranianas.

O gabinete do procurador-geral da Ucrânia revelou que, até 5 de maio de 2025, foram abertas 75 investigações criminais relacionadas com a execução de 268 prisioneiros de guerra ucranianos. Os números têm vindo a aumentar:

  • 2022: 8 casos, 57 soldados;
  • 2023: 8 casos, 11 soldados;
  • 2024: 39 casos, 149 soldados;
  • 2025 (até maio): 20 casos, 51 soldados.

Yurii Bielousov, responsável pelo departamento de crimes de guerra no Ministério Público ucraniano, afirmou que há provas consistentes de que as ordens vieram “dos principais líderes da Federação Russa, tanto políticos como militares”. Ainda que não existam ordens escritas, foram registadas várias ordens verbais.

Bielousov recorda declarações públicas de Vladimir Putin em março de 2024, onde referia que soldados ucranianos capturados na região russa de Kursk deveriam ser tratados como terroristas.
“Todos sabem como Putin trata as pessoas que eles chamam de terroristas. Portanto, para nós, isso é quase sinónimo de execução”, concluiu.

Segundo Bohdan Okhrimenko, chefe do secretariado da Sede de Coordenação para o Tratamento de Prisioneiros de Guerra, a motivação por detrás destas execuções poderá também ser logística:
“Capturar e manter prisioneiros complica a logística militar, do ponto de vista deles. O comando russo tomou uma decisão simples… atirar nos prisioneiros capturados.”

Okhrimenko acrescenta que as execuções têm também uma função de terror psicológico. Soldados russos terão partilhado vídeos de decapitações e castrações de militares ucranianos com o objetivo de desmoralizar o inimigo.

“A violência gera violência”, disse, frisando que a Ucrânia tem reforçado a formação dos seus soldados para garantir o tratamento adequado dos prisioneiros russos.