“Tinder imobiliário”: Crise habitacional em Berlim leva inquilinos a trocar de casa entre si para escapar à escalada dos preços

A crise habitacional em Berlim está a atingir proporções sem precedentes, levando muitos residentes da capital alemã a recorrer a soluções criativas para conseguir manter um teto sobre a cabeça. Uma das estratégias que mais tem crescido nos últimos tempos é a troca direta de casas entre inquilinos, numa tentativa de contornar os preços de arrendamento que não param de subir.

Num anúncio publicado recentemente na plataforma Immobilienscout24 — uma das mais utilizadas na Alemanha — um apartamento com dois quartos e mais de 60 metros quadrados, localizado no popular bairro de Neukölln, é oferecido por apenas 600 euros mensais. Um preço que, num mercado onde apartamentos semelhantes raramente ficam abaixo dos 1.000 euros, se destaca claramente. Mas há uma contrapartida: o arrendatário está disposto a trocar o seu apartamento por outro maior, com três ou quatro quartos, em bairros centrais como Friedrichshain, Kreuzberg, Prenzlauer Berg ou o próprio Neukölln, com um orçamento até 1.800 euros mensais.

Esta prática de troca de casas não é isolada. Segundo John Weinert, fundador da plataforma tauschwohnung.com, citada pelo jornal Tagesspiegel, cerca de 4.000 apartamentos foram trocados em 2023 em toda a Alemanha. Embora este número represente uma pequena fração dos cerca de 600.000 inquilinos à procura de casa no país, a tendência está a crescer rapidamente.

“É um pesadelo. O problema em Berlim não é apenas ter o dinheiro para pagar a renda, é ter a oportunidade de ficar com a casa. É quase normal que, quando telefonas para ver um apartamento, te digam que tens dez pessoas à tua frente”, relata Andrea, residente na cidade há oito anos. Ela própria admite estar à procura de uma casa maior há vários meses, sem sucesso: “Gosto da minha casa, mas ficou pequena. Preciso de algo maior e continuo à espera. Ao menos tenho onde morar enquanto procuro”.

A subida dos preços e a escassez de habitação
Berlim tornou-se num dos mercados imobiliários mais pressionados da Europa. Só em 2023, os preços médios dos arrendamentos subiram 21,2%. Apesar de Munique continuar a liderar o ranking das rendas mais caras da Alemanha, Berlim é a cidade que registou a transformação mais acentuada. Nos últimos dez anos, de acordo com várias agências imobiliárias locais, os preços duplicaram.

O que antes era uma cidade com uma oferta abundante e preços acessíveis — celebrizada pela famosa frase do antigo autarca Klaus Wowereit, “pobre, mas sexy” — tornou-se num campo de batalha por cada metro quadrado. O modelo da troca de casas surgiu como um alívio: evita filas intermináveis para visitar apartamentos e permite negociações diretas entre inquilinos. No entanto, a prática enfrenta vários obstáculos, sobretudo por parte dos senhorios.

“Trocar apartamentos é, em teoria, algo positivo, porque permite utilizar melhor o espaço disponível — por exemplo, quando um reformado solteiro muda-se para um apartamento mais pequeno”, explica o sociólogo Matthias Bernt ao El Confidencial. Contudo, acrescenta, “na prática, isso raramente funciona, porque os senhorios preferem rescindir os contratos antigos e firmar novos, com rendas mais elevadas. Assim, alguém muda-se para um espaço mais pequeno e ainda paga mais. Isso não é viável”.

Esta resistência por parte dos proprietários leva muitos inquilinos a contornar o sistema legal. A troca faz-se então por subarrendamento ou sem informar o senhorio. “Muitas vezes não há outra alternativa. Os senhorios querem controlar eles próprios a mudança para impor condições novas e mais caras”, afirma Ulrike Hamann-Onnertz, diretora da Associação de Inquilinos de Berlim.

A pressão do mercado é visível nas ruas. Andrea aponta, no bairro de Mitte, para um edifício: “Vês aquele prédio? Vi uma vez um T2 à renda por 1.800 euros, e um dos quartos era minúsculo. Num outro apartamento com varanda, o proprietário queria alugá-lo pelo dobro do que o inquilino anterior pagava. Não sei se conseguiu, mas estas coisas nem deviam ser permitidas”.

O fenómeno da conversão de apartamentos em alojamento temporário também tem um impacto considerável. “Cada vez mais proprietários tentam maximizar os lucros oferecendo os apartamentos como arrendamento de férias ou com mobiliário temporário. Transformam-nos em hotéis, na prática. Assim escapam às leis de controlo das rendas”, critica Bernt. Embora esta prática seja ilegal em muitos casos, as autoridades têm demonstrado pouca eficácia em travá-la. “No meu bairro, há um edifício com 35 apartamentos, e só quatro estão ocupados por famílias. Os restantes estão todos no Airbnb”, denuncia.

A escassez de habitação e a falta de planeamento
O problema, no entanto, não se resume aos preços. A falta de habitação disponível deve-se também a uma fraca capacidade de planeamento urbanístico. Durante anos, Berlim orgulhou-se de ser “diferente” e à margem da globalização. Mas ninguém previu o sucesso da cidade como destino de vida ou de turismo. Locais como o famoso clube Berghain atraem milhões de visitantes todos os fins de semana, muitos dos quais acabam por se instalar na capital.

Como resultado, os residentes estão a ser empurrados para os arredores. No entanto, ao contrário de outras cidades europeias, a cultura alemã não valoriza excessivamente a compra de casa própria. Segundo o jornalista e escritor John Kampfner, no seu livro Por que os alemães fazem tudo melhor, apenas 15% dos residentes de Berlim são proprietários da casa onde vivem. Poucos compram imóveis como investimento, preferindo o arrendamento como forma prática e económica de habitação.

Mas este modelo começa a ser posto em causa. A escalada das rendas está a levar muitos berlinenses a reconsiderar a compra de habitação como alternativa. Andrea, com menos de 30 anos, ainda não pensa nisso. Mas admite sonhar com o dia em que possa deixar de consultar diariamente as plataformas imobiliárias à procura do apartamento ideal.

Apesar de parecer uma solução prática, encontrar alguém com quem trocar de casa não é fácil. Phillip Weiss, um berlinense registado em duas plataformas de troca, compara o processo ao funcionamento de aplicações de encontros como Tinder ou Bumble. “Escreve-se muito, mas raramente se concretiza algo”, afirma ao Tagesspiegel.

Ainda assim, para muitos, esta nova forma de mobilidade residencial representa uma esperança. Numa cidade onde os anúncios de apartamentos acessíveis desaparecem em minutos e onde ver uma casa exige quase uma maratona logística, a troca direta entre inquilinos tornou-se uma tábua de salvação — mesmo que frágil — numa cidade onde ter um lar está cada vez mais fora de alcance.