Segurança em risco: Jovens estão a partilhar passwords como “prova de amor ou amizade”. Especialistas deixam alertas

Nos últimos tempos, tem crescido entre os adolescentes uma prática preocupante: a troca de passwords de redes sociais e dispositivos móveis como símbolo de confiança e intimidade. Especialistas alertam para os perigos associados a esta tendência, enquanto pais tentam sensibilizar os jovens para a importância da privacidade.

Teresa Silva, cozinheira de 42 anos, viveu recentemente esta preocupação, segundo conta à CNN Portugal. A sua filha de 17 anos, que iniciou o primeiro namoro há três meses, partilha com o namorado o acesso ao telemóvel e redes sociais. “Vi-a colocar a impressão digital no telemóvel dele. Quando falei com ela, disse que não tem mal nenhum porque ele também tem acesso a tudo dela. Apesar de ele ser um bom rapaz, não acho saudável partilharem passwords”, confessou Teresa.

A mãe teme pelo futuro. “Digo-lhe: ‘o que é hoje, amanhã não será’. Eles vão estar a centenas de quilómetros de distância quando ela for para a universidade e ele para a Força Aérea. Não sabemos como isto pode acabar”, desabafa.

Tito de Morais, cofundador do projeto Agarrados à Net, utiliza uma analogia curiosa para reforçar a importância da privacidade digital: “As passwords devem ser como escovas de dentes: cada um usa a sua sem partilhar”. O especialista alerta que quem possui uma password pode aceder a informações pessoais, incluindo imagens e dados sensíveis, e até usar as redes sociais da vítima para praticar bullying.

Raquel Raimundo, psicóloga, sublinha ao mesmo canal que a prática não é compatível com uma relação saudável. “Partilhar passwords não é saudável. Em relações tóxicas, é comum usá-las para controlar o outro. Se há respeito e confiança, não há necessidade de aceder ao telemóvel ou redes sociais do parceiro”, explica.

O problema vai além do controlo entre namorados ou amigos. Pais como Isabel (nome fictício) relatam casos graves. A filha de 18 anos desta psicóloga foi vítima de cyberbullying após o término de uma relação em que havia partilha de passwords. “Um pseudo-namorado divulgou áudios deles a centenas de pessoas. Agora temos um processo em investigação”, conta Isabel, que também se preocupa com a partilha de passwords entre amigos.

A formadora Sofia Marques, que trabalha com jovens de 15 a 18 anos, também nota esta tendência. “As alunas dizem que partilhar passwords é para saberem ‘se acontece alguma coisa’. Tento alertá-las para os perigos, mas elas não veem mal nenhum”, relata.

Geolocalização e controlo permanente

Além das passwords, os jovens também partilham em permanência a geolocalização com amigos e namorados, o que, segundo Cristiane Miranda, cofundadora do Agarrados à Net, pode ser uma forma de controlo. “Uma relação saudável é construída na base da confiança, não da vigilância”, alerta.

Raquel Raimundo reforça que a geolocalização deve ser usada apenas em situações pontuais, nunca de forma permanente. “Comportamentos controladores não são saudáveis”, conclui.

Educação e literacia digital como solução

Os especialistas concordam que proibir o uso de redes sociais ou telemóveis não é eficaz. “Os jovens acabam por criar contas nos dispositivos de amigos e não fazem logout, o que pode ser ainda mais arriscado”, aponta Tito de Morais. Em vez disso, recomendam uma abordagem educativa, com diálogo aberto e promoção da literacia digital.

“Temos de explicar aos jovens porque pedimos as passwords, mostrar-lhes que queremos proteger e não controlar”, defende Cristiane Miranda. Raquel Raimundo acrescenta que é crucial ensinar os jovens a identificar relações saudáveis e desconstruir estereótipos de género.

Conselhos dos especialistas

Entre os sinais de alerta que os pais devem observar estão o controlo e a dependência excessiva numa relação. “Um jovem que altera a sua conduta para agradar ao outro ou que depende emocionalmente de uma relação precisa de apoio”, avisa Raquel Raimundo.

Os especialistas deixam também recomendações práticas:

  • Incentivar pesquisas conjuntas sobre os perigos da partilha de passwords.
  • Guardar a password num envelope para uso apenas em emergências.
  • Ensinar os jovens a fazer logout em dispositivos de terceiros.
  • Explicar os limites entre privacidade e controlo.

Um estudo recente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) revela que 40% dos jovens de 18 anos passam cinco ou mais horas por dia na internet. Além disso, 41% começaram a utilizar a internet antes dos 10 anos. Estes números mostram a necessidade crescente de educar os jovens sobre os riscos associados ao mundo digital.