Se a Índia limitar exportações de arroz, inflação poderá aumentar e poder de compra dos consumidores irá diminuir, dizem analistas

O governo de Nova Deli pode vir a restringir o abastecimento dos mercados externos de arroz, depois de, em maio, já ter aplicado limitações à comercialização externa de trigo e açúcar.

Ainda não há confirmação oficial, mas o economista Radhika Piplani, do Yes Bank, avança à ‘Bloomberg’ que será uma questão de tempo até as autoridades indianas decidirem aplicar limites à comercialização externa de arroz.

A Índia é o maior exportador de arroz do mundo, mas o segundo maior produtor, atrás da China, sendo a sua produção essencialmente orientada para o abastecimento do mercado interno, num dos países mais densamente povoados do mundo.

Alguns observadores consideram que a Índia está a seguir uma política de “protecionismo alimentar”, mas o analista Henrique Tomé, da corretora XTB, explica à ‘Executive Digest’ que o país poderá não estar a trilhar esse caminho. “As alterações climáticas têm prejudicado as colheitas de arroz (e não só) e a exploração excessiva de arroz proveniente da índia tem provocado escassez no mercado doméstico”, aponta o especialista, descrevendo as limitações às exportações de bens alimentares como formas de garantir o equilíbrio do mercado interno.

Também Ricardo Evangelista, diretor-executivo da ActivTrades Europe, diz que a combinação da guerra na Ucrânia e fenómenos climáticos extremos tem “gerado incerteza nos mercados globais de matérias-primas alimentares, o que, para um país da dimensão populacional da Índia, exige que a gestão dos recursos seja feita de forma mais cautelosa, de forma a minimizar riscos”.

Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, sublinha que apesar de as limitações aplicadas pelo governo de Nova Deli poderem ter como objetivo garantir a oferta interna, “não deixa de ser protecionismo”.

Caso se venha a verificar o limite às exportações de arroz, o economista aponta que se pode esperar “mais escassez de cereais nos mercados internacionais, mais potenciais tensões sociais, aceleração da inflação e da subida dos juros pelos bancos centrais”.

Por seu turno, Ricardo Evangelista afirma que estas medidas protecionistas “vêm exacerbar a crise que se vive neste momento nos mercados globais”, o que irá contribuir para a subida dos preços e para o agudizar da crise alimentar mundial que se tem vindo a construir nos últimos meses. Os países mais pobres, “que normalmente compram cereais à Rússia e à Ucrânia, poderão não conseguir aceder a quantidades suficientes para fazer face às necessidades das populações”, salienta o especialista.

Contudo, nesse contexto, a Europa e Portugal poderão não ser os mais afetados, pelo menos a curto-prazo, diz Henrique Tomé. Mas os analistas são unânimes na previsão de que, com a escassez da oferta de arroz nos mercados internacionais, os preços desse produto e dos seus derivados aumentarão e o poder de compra dos consumidores ficará sob uma ainda maior pressão.

“Portugal deve estudar a viabilidade do aumento da sua produção doméstica de cereais e, desta maneira, diminuir a dependência do exterior”, sugere Paulo Rosa, acrescentando que o país deve concentrar-se “naquilo que é mais produtivo, mas sem descurar a sua segurança alimentar”.

Sendo a China o segundo maior exportador e o primeiro produtor de arroz a nível mundial, é possível que possa preencher o espaço que venha a ser deixado pela Índia nos mercados globais. Henrique Tomé sugere que “seria economicamente atrativo” para Pequim conquistar uma maior parcela no mercado do arroz. No entanto, Paulo Rosa acredita que a saída da Índia não teria uma alternativa imediata. “Mesmo que haja um aumento da área de cultivo e da produção, não existe toda uma logística e infraestrutura de portos para garantir os abastecimentos internacionais”, explica.

Já Ricardo Evangelista frisa que, “neste momento, os mercados globais de matérias-primas alimentares estão numa situação que poderá em breve ser de insuficiência da oferta face à procura”. Num cenário em que a Índia limite as exportações de arroz, a sua ausência, ou menor participação, “dificilmente será suprida”.

“Mais protecionismo alimentar pode aumentar ainda mais os custos”, atesta Paulo Rosa, impulsionando a inflação, cortando o poder de compra dos consumidores e tornando mais difícil que os bancos centrais consigam controlar a inflação. “É um ciclo vicioso indesejável”, sentencia o economista.

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