Salvem a mostarda de Dijon, o chocolate belga ou o mexilhão grego: Alterações climáticas ameaçam alimentos icónicos em diversos países

O impacto das alterações climáticas no setor agroalimentar está a ameaçar a produção de alimentos emblemáticos em várias regiões do mundo. Desde o chocolate belga ao azeite espanhol, passando pelo queijo Gouda dos Países Baixos e a mostarda Dijon francesa, diversos produtos tradicionais podem enfrentar uma drástica redução ou até mesmo a extinção devido a fenómenos climáticos extremos. Secas, ondas de calor, incêndios florestais e cheias estão a transformar a paisagem agrícola global, comprometendo culturas essenciais e colocando em risco a herança gastronómica de várias nações.

Bélgica: o chocolate enfrenta aumentos históricos de preço
A produção de cacau tem sido severamente afetada pelas mudanças nos padrões de precipitação e secas prolongadas na África Ocidental, região que domina a produção global deste fruto essencial para o chocolate. O preço do cacau, que em meados de 2022 estava abaixo dos 2.000 dólares (cerca de 1.918 euros) por tonelada, disparou para mais de 12.000 dólares (aproximadamente 11.510 euros) durante a época natalícia e continua a rondar os 10.000 dólares (9.592 euros).

Bart Van Besien, conselheiro de políticas do grupo de comércio justo Oxfam, explica à Euronews que as alterações climáticas enfraqueceram as árvores de cacau devido a mudanças nos padrões anuais de chuva e seca. Além disso, as diferenças de temperatura entre o dia e a noite aumentaram na estreita faixa equatorial onde estas árvores prosperam, o que, aliado a doenças, reduziu drasticamente as colheitas.

Na Bélgica, país que alberga 280 empresas de chocolate, os fabricantes enfrentam desafios financeiros significativos. Dominque Persoone, dono da marca Chocolate Line, revelou que os preços dos seus produtos aumentaram 20% no último ano. Alguns estabelecimentos optaram mesmo por encerrar durante a semana do Dia dos Namorados, aguardando uma possível recuperação na Páscoa.

Países Baixos: Gouda pode desaparecer em 100 anos
O queijo Gouda, um dos produtos mais reconhecidos dos Países Baixos, está em risco devido às inundações cada vez mais frequentes. A cidade de Gouda, que já era vulnerável por estar abaixo do nível do mar, enfrenta agora um futuro incerto.

Jan Rotmans, professor da Universidade Erasmus de Roterdão, alertou, em declarações ao The New York Times, que a produção tradicional de Gouda pode extinguir-se dentro de um século. “Se a terra se transformar em água e as vacas desaparecerem, o queijo terá de vir do leste do país, e já não será Gouda”, afirmou.

Grécia: produção de mexilhão cai 90%
A indústria de mariscos na Grécia sofreu um colapso com a perda de 90% da produção de mexilhões devido às ondas de calor registadas em julho, que elevaram a temperatura do mar acima dos 30°C por vários dias, matando os moluscos.

Cientistas já tinham previsto, após um evento semelhante em 2021, que esta situação só voltaria a ocorrer em 2031. No entanto, o impacto das alterações climáticas tem sido mais rápido do que o esperado. Para alguns produtores, 100% das sementes para a próxima safra foram destruídas, o que significa que, em 2025, não haverá colheita de mexilhões na Grécia, deixando pratos tradicionais como o saganaki sem um dos seus ingredientes principais.

Itália: trufas brancas ameaçadas pelo aquecimento global
As trufas brancas do Piemonte, classificadas pela UNESCO como património imaterial da humanidade, estão a tornar-se cada vez mais raras. A sua colheita, tradicionalmente realizada entre outubro e janeiro, tem sido encurtada devido a verões mais quentes e a períodos de seca severa.

Mario Aprile, presidente da associação de caçadores de trufas da região, alertou que a desflorestação agrava o problema, uma vez que a trufa branca não pode ser cultivada como a trufa negra. “Sem árvores, não há trufas”, sublinhou.

Bélgica: batatas e as famosas ‘frites’ em risco
A Bélgica, país conhecido pelas suas batatas fritas servidas em cones de papel com maionese, está a enfrentar problemas no setor agrícola. O país sofreu inundações intensas que atrasaram a colheita, com apenas 50% da produção de batatas levantada dentro do prazo habitual. Especialistas alertam que, até 2050, a produção global de batatas poderá cair 9%, o que pode comprometer a tradição belga.

França: crise na produção de mostarda Dijon
A mostarda Dijon, um ícone da gastronomia francesa, enfrentou uma grave escassez há dois anos, levando os supermercados a limitar a compra a um frasco por cliente. O problema não se originou apenas na região da Borgonha, onde é tradicionalmente fabricada, mas também no Canadá, responsável por cerca de 80% da produção mundial de sementes de mostarda.

Nos últimos anos, os verões secos no Canadá reduziram significativamente as colheitas, enquanto os invernos excessivamente húmidos em França também afetaram a produção. Especialistas afirmam que estas condições meteorológicas extremas deverão repetir-se, podendo provocar novas crises de abastecimento no futuro.

Turquia: hummus em risco devido à quebra na produção de grão-de-bico
O hummus, um dos pratos mais emblemáticos da gastronomia turca, pode tornar-se mais raro devido à vulnerabilidade do grão-de-bico às alterações climáticas. Investigadores dos Jardins Botânicos Reais de Kew, no Reino Unido, estimam que as colheitas globais possam diminuir até 50% devido a secas e inundações.

Os cientistas explicam que, ao longo de 10.000 anos de domesticação, o grão-de-bico perdeu parte da sua diversidade genética, tornando-se menos resistente a fenómenos meteorológicos extremos. Este ano, a Turquia já registou uma produção significativamente inferior à do ano passado.

Espanha: seca afeta produção de azeite
Espanha, o maior produtor mundial de azeite, enfrenta desafios crescentes devido às mudanças climáticas. As temperaturas na primavera têm estado até 4°C acima da média nos últimos anos, e a persistente falta de chuva levou a uma redução de 50% na produção de azeite em 2023.

As previsões para este ano já indicavam uma colheita abaixo do normal, mas as cheias recentes podem agravar ainda mais a situação. Pratos como o allioli e as gambas al ajillo, que dependem do azeite espanhol, podem tornar-se mais caros e menos acessíveis.

Noruega: gravlax sob ameaça
O salmão, ingrediente essencial do prato escandinavo gravlax, enfrenta novos desafios devido às alterações climáticas. O aumento das temperaturas marítimas favorece o crescimento de parasitas como os piolhos-do-mar, enquanto as mudanças nos padrões climáticos, incluindo invernos mais rigorosos e o impacto do El Niño, aumentam a taxa de mortalidade dos peixes.

Relatórios da Reuters indicam que os criadores de salmão noruegueses estão a enfrentar perdas significativas, o que pode comprometer a disponibilidade deste alimento tradicional.

Algumas culturas beneficiam das alterações climáticas
Nem todas as mudanças são negativas. No Reino Unido, o governo identificou a cultura da uva como uma das que poderá beneficiar do novo clima, tornando o país mais propício à produção de vinho.

Na Suécia, a indústria vinícola também está em expansão. Já no País de Gales, a alga marinha laver, consumida desde o século XVII, pode tornar-se um recurso sustentável à medida que cresce o interesse pela agricultura oceânica regenerativa.

Nos Estados Unidos, o pistácio, mais resistente à seca do que a amêndoa, está a tornar-se uma alternativa viável para os produtores da Califórnia.

Apesar destas oportunidades, os impactos negativos das alterações climáticas no setor alimentar são esmagadores, ameaçando tradições culinárias centenárias e colocando desafios significativos à segurança alimentar global.