Rússia precisa de um acordo de paz já: Putin está a ficar sem soldados e não tem onde recorrer

Para Vladimir Putin, a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos pode ser um ‘alívio’: em causa está um possível acordo de paz em que o presidente russo poderia aceitar que Moscovo ganhe um território significativo da Ucrânia e a garantia que esta se mantém neutra, fazendo cair quaisquer planos de adesão à NATO ou à União Europeia.

Se a Ucrânia está a passar por uma fadiga de guerra, a Rússia também o está, salientou Natasha Lindstaedt, professora do Departamento de Governo da Universidade de Essex, no Reino Unido, num artigo na publicação ‘The Conversation’, que defendeu que o Kremlin está a lutar para recrutar soldados para o conflito, como atesta a recente revelação de que soldados norte-coreanos estavam a combater na Ucrânia.

Apesar de Moscovo estar a intensificar a guerra, tornou-se claro que um acordo de paz seria do interesse de Moscovo tanto quanto de Kiev.

Segundo as avaliações ocidentais, morreram entre 115 e 160 mil soldados russos, o que corresponde a 90% do pessoal que tinha no início da guerra: haverá outros 500 mil feridos. Para compensar estas perdas, a Rússia tem recrutado 20 mil soldados por mês.

Mesmo em tempo de paz, recrutar soldados para o exército nunca foi fácil na Rússia: os recrutas são frequentemente sujeitos a praxes e intimidações por parte de soldados mais experientes, pelo que a entrada no exército é algo a evitar para muitos jovens russos – conhecido como ‘dedovshchina’, o bullying e os espancamentos contra recrutas é uma tradição notável desde o final do século XVII.

Após a dissolução da União Soviética, os meios de comunicação russos expuseram as terríveis condições nas Gorças Armadas, referindo que as tropas sofriam de cuidados médicos deficientes e de desnutrição grave. Para muitos russos há ainda a recordação de como foram tratados os recrutas mal preparados enviados para combater na Chechénia em meados da década de 1990.

O Kremlin não parece preocupado com a segurança e o bem-estar do soldado médio russo: já impopular em tempos de paz, este desespero para evitar ser convocado para uma guerra ativa tornou-se ainda mais agudo. A vida militar é também vista como uma ‘grande armadilha’ para capturar os pobres e desfavorecidos – recordou a especialista que os recrutas são vistos como ‘carne para canhão’, cujas sepulturas são ignoradas e os corpos por vezes não identificados.

A maioria dos recrutas era oriunda de repúblicas do Extremo Oriente com grandes populações indígenas, como o Bascortostão, a Chechénia, a República de Sakha (Yakutia) e o Daguestão – ou seja, o mais longe possível de Moscovo.

No entanto, o conflito na Ucrânia tem feito os jovens de Moscovo enfrentar um Estado cada vez mais agressivo: milhares de russos fugiram do país, obrigando o Governo a introduzir um projeto-lei mais rigoroso para prender as tropas.

Com a nova lei, implementada a 1 de novembro último, em vez de receber a minuta de edital pelo correio, estas passam a ser entregues digitalmente: ou seja, assim que o aviso entra no email, os convocados estão imediatamente proibidos de sair da Rússia e podem enfrentar penalizações severas se tentarem sair.

Desde o início da guerra, os homens russos têm recorrido a todo o tipo de táticas para evitarem ser convocados – fingindo-se toxicodependentes, falsificando documentos médicos e até, em alguns casos, partindo os próprios ossos. Mudar de cidade na Rússia, ou comprar propriedades em nome de outra pessoa, também foi uma tática comum. Natasha Lindstaedt lembrou uma entrevista de um russo que foi recrutado, apesar de não viver em Moscovo desde 2006 – ou seja, a luta para encontrar recrutas levou o Kremlin a recorrer à perseguição de cidadãos russos que vivem no estrangeiro.

Mas Putin está a ficar sem homens. Para atrair mais recrutas, o Ministério da Defesa aumentou os salários, tornando-os mais rentáveis ​​do que os empregos civis, duplicando o bónus para as pessoas que se alistaram em novembro do ano passado.

Depender dos militares norte-coreanos oferece outra solução, mas estas tropas não têm experiência de combate, utilizam diferentes táticas militares e a maioria não fala russo, o que torna mais difícil a coordenação para operações de combate específicas. Os soldados russos queixaram-se de não saberem o que fazer com eles.

Embora isto fosse amplamente impopular na Bielorrússia, Putin pode tentar forçar Aleksandr Lukashenko a oferecer apoio, uma vez que os soldados bielorrussos estão familiarizados com as táticas e operações russas.

Por último, um derradeiro sinal de fraqueza: Putin demonstrou que as táticas de guerra convencionais já não são suficientes e no passado dia 19 emitiu uma ameaça de que poderiam ser utilizadas armas nucleares em resposta ao ataque ucraniano com mísseis ATACMS de fabrico americano – normalmente, quando as estratégias de guerra convencionais funcionam, não há necessidade de baixar o limiar da utilização nuclear.

É evidente, indicou a especialista, que a guerra não está a correr bem para a Ucrânia. No entanto, é um erro pensar-se que Putin chegaria a uma eventual mesa de negociações com uma posição de força – mas, felizmente para o presidente russo, pode estar no horizonte um acordo favorável que não tenha isso em conta.

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