Relatório interno do INEM aponta falhas graves na direção e admite que atrasos podem ter comprometido vidas de doentes. Nunca foi divulgado

Um relatório interno do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), elaborado na sequência da greve dos técnicos de emergência ocorrida entre outubro e novembro de 2024, traça um retrato severo da atuação da direção do instituto e levanta dúvidas sobre a segurança dos doentes durante esse período. Segundo avança a CNN Portugal, o documento em causa nunca foi oficialmente divulgado, mas já se encontra em poder da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que continua a investigar o caso.

Apesar de o relatório ter sido concluído em dezembro de 2024, continuam por esclarecer as circunstâncias que envolveram 12 mortes ocorridas durante os dias da paralisação. O documento aponta diretamente falhas de organização da direção e da chefia dos Recursos Humanos do INEM, acusando-as de não terem assegurado os serviços mínimos obrigatórios nos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), responsáveis pelo atendimento de chamadas de emergência. A ausência desses serviços terá contribuído para um colapso no sistema de resposta, deixando milhares de chamadas sem qualquer seguimento — nomeadamente no dia 4 de novembro, em que se registaram os maiores constrangimentos.

O relatório, elaborado por elementos do departamento jurídico do INEM, admite expressamente que os atrasos na resposta às chamadas de emergência podem ter tido consequências fatais. “Os atrasos ocorridos durante a paralisação dos técnicos têm potencial efeito negativo sobre a sobrevivência”, lê-se no documento, referindo-se a situações críticas como paragens cardiorrespiratórias. A CNN Portugal apurou que em, pelo menos, dois dos casos de morte confirmados os atrasos ultrapassaram uma hora, enquanto outros sete apresentaram tempos de espera superiores a 30 minutos.

Em março deste ano, o Ministério da Saúde divulgou uma resposta a perguntas colocadas pelo partido Chega, nas quais sustentava que “não foram apurados factos/circunstâncias que levassem a concluir que as mortes ocorridas tivessem relação direta com os eventuais atrasos no atendimento das chamadas pelo CODU”. Esta posição, no entanto, contrasta com as informações contidas no relatório interno, que reconhece explicitamente a insuficiência de elementos clínicos para descartar um nexo de causalidade.

Segundo o mesmo documento, os autores do inquérito admitiram não ter tido acesso às autópsias das vítimas mortais, uma vez que a maioria só foi concluída após o fecho do relatório. Por isso, os técnicos jurídicos optaram por remeter o processo à IGAS para uma avaliação mais aprofundada, referindo que seria necessário “melhor definir o eventual nexo de causalidade entre os atrasos e as mortes registadas”. Sete meses depois, contudo, o inquérito da IGAS continua sem conclusão.

As críticas à liderança do INEM são especialmente contundentes. O atual presidente, Sérgio Janeiro — que assumiu funções em julho de 2024, sucedendo a Gandra de Almeida — é visado no documento, tal como a responsável pelos Recursos Humanos. O relatório sublinha que o instituto recebeu o pré-aviso de greve dentro dos prazos legais, mas falhou na implementação dos serviços mínimos previstos na legislação laboral, nomeadamente a possibilidade de assegurar até 80% das escalas durante períodos de paralisação.

Adicionalmente, o documento destaca a ausência de qualquer contacto entre o INEM e a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), entidade que deve ser notificada sempre que não é possível chegar a acordo com os sindicatos sobre os serviços mínimos. Essa omissão é apontada como uma das principais falhas operacionais, revelando descoordenação e negligência da parte das chefias durante uma situação que exigia respostas rápidas e eficazes.

O relatório permanece agora apenso ao processo da IGAS, cuja decisão poderá ser determinante para eventuais consequências disciplinares ou institucionais. Até lá, continuam por esclarecer as responsabilidades formais relativamente às 12 mortes ocorridas durante a greve, bem como os riscos estruturais que o colapso do sistema de emergência expôs.