
‘Receitar’ um passeio ao ar livre? Lançada a primeira formação em prescrição social em Portugal
A Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP Nova) lançou o primeiro curso em Portugal sobre prescrição social, um conceito que liga os cuidados de saúde ao setor social. A iniciativa surge num momento em que o interesse pelo tema tem vindo a crescer e será um curso online, de cariz assíncrono, permitindo aos formandos assistir às aulas ao seu ritmo. Além disso, o curso contará com 50 bolsas de estudo no valor de 100 euros, financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência, sublinhando a importância que esta metodologia assume na promoção do bem-estar e prevenção de doenças.
A prescrição social propõe soluções inovadoras para necessidades de saúde física e mental através de atividades não farmacológicas, promovidas pela comunidade. De acordo com Sónia Dias, diretora da ENSP Nova, esta abordagem responde a desafios sociais e emocionais que afetam a saúde e cujas soluções podem ser encontradas fora do sistema tradicional de saúde. Exemplos incluem a prescrição de caminhadas ao ar livre, aulas de ginástica, cursos em universidades séniores e passeios em bicicletas adaptadas, como os que já existem em Lisboa e Cascais.
Segundo o jornal Público, implementação destas medidas requer a colaboração entre diferentes setores, incluindo autarquias, juntas de freguesia e organizações do terceiro setor. Atualmente, há vários projetos em desenvolvimento por entidades como as Unidades Locais de Saúde (ULS) de São José, Santa Maria, Almada-Seixal e Baixo Alentejo. Também câmaras municipais, como as de Lisboa, Cascais e Vila Pouca de Aguiar, e a Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central têm vindo a apostar nesta abordagem. No terceiro setor, destaca-se o trabalho da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral, da Pedalar Sem Idade e da Plataforma Saúde em Diálogo no Algarve.
Desde o seu início, a ENSP Nova tem sido um dos principais impulsionadores da prescrição social em Portugal e, até ao momento, já foram referenciadas cerca de 2200 pessoas para este tipo de intervenção, com 1500 beneficiárias diretas. O crescimento exponencial do interesse por esta metodologia levou a escola a apostar na formação de profissionais, assegurando que todos os interessados tenham acesso a conhecimento especializado. O curso, com duração de 28 horas e um custo de 150 euros, será lecionado em português.
Segundo Sónia Dias, os benefícios da prescrição social vão além da melhoria da saúde física e mental, abrangendo a redução do isolamento social, o incentivo à participação ativa na sociedade e a capacitação para o autocuidado. Do ponto de vista dos serviços de saúde, esta abordagem também promove um modelo mais preventivo e integrado, ajudando a reduzir a pressão sobre os cuidados de saúde primários e os episódios de urgência, bem como a sobreutilização da prescrição medicamentosa sem benefício clínico.
A ENSP Nova já participou em projetos financiados pela Fundação Calouste Gulbenkian, incluindo iniciativas de prescrição social na natureza (Green Social Prescribing) e um programa focado na relação entre música e maternidade. Além disso, esteve envolvida num projeto europeu dirigido a jovens desempregados, demonstrando o potencial da prescrição social para diferentes faixas etárias e contextos.
O papel de prescritor social pode ser desempenhado por vários profissionais, como assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos, farmacêuticos e enfermeiros comunitários, em articulação com os médicos. A função principal é identificar as necessidades do utente e encaminhá-lo para as atividades mais adequadas, acompanhando o seu progresso.
A prescrição social tem-se afirmado como um modelo inovador para a promoção da saúde e bem-estar, e pode desempenhar um papel crucial na prevenção de doenças e na gestão de patologias crónicas. Com a solidão a ser apontada pela Organização Mundial de Saúde como um dos grandes desafios futuros da saúde pública, esta metodologia surge como uma resposta integrada e eficaz para um problema em crescimento.