Quatro mulheres e oito crianças: Governo está a preparar repatriamento de famílias de terroristas portugueses do Estado Islâmico
O governo português está a preparar o repatriamento de quatro mulheres e oito crianças ligadas a terroristas portugueses do Estado Islâmico, atualmente detidos em campos na Síria. Esta operação está a ser discutida e coordenada por um grupo restrito de altos responsáveis de várias instituições, incluindo o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), o Sistema de Segurança Interna (SSI) e a Polícia Judiciária (PJ). A maior preocupação reside na situação das crianças, que podem ter direito à nacionalidade portuguesa.
Segundo apurou a revista SÁBADO, já ocorreram pelo menos duas reuniões no MNE para delinear este processo: uma no final de julho e outra a 8 de agosto. Está também a ser preparado um questionário que será enviado às mulheres e crianças através das milícias curdas, que controlam os campos de detenção no norte da Síria. Este grupo de trabalho tem vindo a estudar e a identificar os recursos necessários para a operação, como transporte, médicos, psicólogos, assistentes sociais, tradutores e, eventualmente, equipas de vigilância que irão acompanhar estas pessoas quando chegarem a Portugal.
Até ao momento, o número de indivíduos repatriados será de quatro mulheres e oito crianças, mas o processo poderá evoluir. Contudo, as entidades envolvidas, nomeadamente o MNE, SIRP e PJ, não forneceram respostas claras sobre o assunto, com exceção do gabinete da Secretária-Geral do SIRP, embaixadora Graça Mira Gomes, que afirmou que “não haverá qualquer resposta” por ordem superior.
A posição oficial do governo anterior, liderado por António Costa, era de que Portugal estava disposto a repatriar apenas as crianças, mas não as mulheres, que eram vistas como uma ameaça à segurança nacional. No entanto, a situação complicava-se pelo facto de as mulheres não estarem dispostas a separar-se dos filhos. De acordo com o último Relatório Anual de Segurança Interna, a questão do regresso de combatentes estrangeiros, incluindo mulheres com ligações a cidadãos nacionais, continua a ser uma fonte de preocupação, devido ao seu provável comprometimento ideológico com a narrativa jihadista do Estado Islâmico.
Este processo não é apenas uma questão política e de segurança, mas também tem ramificações legais. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal está a conduzir uma investigação às mulheres dos terroristas portugueses, por suspeitas de apoio à ida dos seus maridos para a Síria e durante o tempo em que estes combateram pelo Estado Islâmico. Quando regressarem a Portugal, estas mulheres poderão ser detidas e interrogadas, tal como já aconteceu em outros países europeus que repatriaram cidadãos ligados a grupos terroristas.
A SÁBADO tentou obter mais informações junto da Procuradoria-Geral da República sobre as medidas a serem tomadas à chegada destas mulheres e crianças, mas não obteve resposta. No entanto, fontes indicam que a Procuradoria só foi informada da situação recentemente.
Entre as mulheres cujas situações estão a ser analisadas, destacam-se Vânia Lopes Cherif, Catarina Almeida, Reema Iqbal e Fatuma Majengo. Vânia, uma lusodescendente, viajou para a Síria em 2015 com o marido e uma filha menor, tendo tido mais uma filha durante a sua estadia no campo de Roj. Catarina Almeida, por sua vez, terá ido à Síria resgatar o filho, mas após a morte deste, ficou com o seu neto e continua no mesmo campo. Reema Iqbal, uma britânica casada com o português Celso Rodrigues da Costa, e Fatuma Majengo, de nacionalidade tanzaniana, também poderão ser repatriadas porque os seus filhos têm direito à nacionalidade portuguesa.
O processo de repatriamento está envolto em segredo, tanto pela sua sensibilidade política como por razões operacionais e de segurança. Segundo fontes, será necessário emitir documentação de viagem para as mulheres e crianças, enviando um avião para as trazer a Portugal. Ao chegar, será necessário garantir o acompanhamento psicológico e social, sobretudo para as crianças, que viveram toda a sua vida numa realidade de guerra e radicalização. Este processo de reintegração e desradicalização poderá levar anos.
Os irmãos Celso e Edgar Rodrigues da Costa, que se juntaram ao Estado Islâmico e foram mortos em combate, são figuras centrais neste caso. As suas mulheres sobreviveram e estão entre as candidatas ao repatriamento. A família dos irmãos chegou a pedir, sem sucesso, o repatriamento dos filhos nascidos na Síria, que agora poderão finalmente regressar a Portugal com as suas mães.