Quatro anos de Covid-19: O que mudou desde o primeiro alerta à OMS? Especialistas avisam que vírus continua a sofrer mutações

Foi há quatro anos exatamente, a 31 de dezembro de 2019, que a Organização Mundial da Saúde (OMS), foi oficialmente alertada para a deteção de um novo coronavírus, identificado como SARS-CoV-2, na China.

Dos primeiros casos, identificados em Whuan, verificaram-se infeções respiratórias muito graves que colocaram os doentes em cuidados intensivos ou que os atiraram para a morte. O resto mundo observava com alguma apreensão, e até chegou a pensar que passaria incólume, mas a rapidez a que se propagou a Covid-19 por todo o mundo, depressa levou praticamente todo o globo a confinamentos que se observaram durante dois anos.

Na Europa, chegou logo no final de janeiro e começo de fevereiro de 2020: primeiro Reino Unido, depois Itália, França Espanha e Portugal (a 2 de março foram detetados os primeiros casos confirmados).

A 11 de março de 2020 a OMS decretava o estado pandémico e só viria a levantar a emergência de saúde global da Covid-19 em maio de 2023.

De acordo com a OMS, no total contam-se mais de 700 milhões de casos em todo o mundo (772.838.745), com praticamente 7 milhões de mortes associadas à doença (6.988.679).

Olhando a continentes, a Europa foi o mais afetado, com mais de 277 milhões de casos confirmados, segunda do Pacífico Ocidental, com mais de 207 milhões de doentes com Covid-19. As américas ficam-se pelos 193 milhões de casos, até à segunda semana de dezembro.

Sobre as origens do vírus, das suspeitas do mercado em Wuhan às que relacionam a Covid-19 com uma fuga de um laboratório, poucas certezas se têm, até porque as autoridades chinesas têm limitado o acesso da OMS a dados reais de saúde e a algumas instituições oficiais no país.

Covid-19 veio para ficar. JN.1 é sublinhagem dominante
Certezas que temos, segundo indicam especialistas ouvidos pela Executive Digest, é que “a Covid-19 veio para ficar” e que se tornou numa doença como as outras, com características de sazonalidade (mais ativa no outono-inverno) e que implicará uma vacinação (que se revelou a ‘arma’ de combate à Covid-19 mais eficiente) dos grupos vulneráveis todos os anos.

Esta vacinação é necessário porque o vírus está permanentemente a sofrer mudanças e mutações, que o tornam mais capaz de evadir anticorpos. Atualmente, a variante que domina o mundo, e que já levou a um aumento de casos em Portugal, é a JN.1.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a variante JN.1 do coronavírus que causa a covid-19 como “variante de interesse” devido à sua “rápida disseminação”, embora ressalvando que o risco para a saúde pública global é baixo.

Segundo a OMS, que emitiu comunicado sobre o assunto, a variante JN.1 do SARS-CoV-2 “poderá aumentar o peso das infeções respiratórias em muitos países” do hemisfério norte com a estação do inverno.

A OMS assegura, no entanto, que as vacinas em circulação para a covid-19 (que previnem a doença grave e morte) atuam com esta variante, que deriva da linhagem BA.2.86 (que tem origem na variante Ómicron).

A situação atual da Covid-19 em Portugal
Antes do Natal, a situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal começa a revelar um aumento do número de casos, internamentos e mortes pela doença, segundo revelam os números da DGS e do INSA, transmitidos por especialistas à Executive Digest.

Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, recorda que depois de uma ‘mini-onda’ de casos em agosto, “ao longo de setembro houve uma descida contínua e em outubro estávamos com registos mínimos de notificações, ou seja, os casos que temos conhecimento, e que são uma grosseira subestimação da realidade, mas assumindo que essa subestimação de mantém constante, podemos olhar a tendências”. Para termos os números verdadeiros, explica o médico “teríamos de os multiplicar por cerca de 20, mas isso já seria especulação”.

Se no final de outubro atingiam-se valores mínimos, de 100 notificações por dia ou menos, nalguns dias com 0, “desde então, ao longo de novembro, o número de casos tem vindo a amentar muito devagarinho, na última semana com uma aceleração”.

“Como estamos a subir de mínimos históricos, o número de novos casos ainda é baixo”, explica o especialista. “Os dados da segunda semana de dezembro, e até dia 17, davam uma média de cerca de 145 casos por dia. Na semana antes tínhamos 109, o que já dá uma ideia de que estamos a subir”, alerta Manuel Carmo Gomes.

Este aumento, ainda relativamente baixo quando comparado com momentos em que, ao longo do ano, se tinham 200 a 250 notificações diárias de Covid-19, deve-se à prevalência de uma nova sublinhagem do vírus, a JN.1, versão ‘melhorada’ da BA.2.86, com mutação adicional que “dá-lhe vantagens na transmissibilidade, porque foge melhor aos nossos anticorpos”.

Nos óbitos, a tendência de aumento também se verificou: passou-se para uma média de 4 por dia, mais um do que quando comparado com a semana anterior. Da mesma forma, a tendência é verificada nos casos que testaram positivo nos hospitais (cuidados intensivos e enfermarias), de 150 pessoas em média, a sete dias.

Especialistas pedem mais vigilância a águas residuais
Manuel Carmo Gomes assinala que é esta a variante que, neste momento, está a dominar no mundo e que, em 90% dos países que fazem vigilância da Covid-19 também através de águas residuais, “estão a detetar subidas tremendas da quantidade de vírus nas águas” mas este indicador da atividade do vírus na população, que está a subir em toda a Europa e América do Norte, “não se está a traduzir em gravidade nos hospitais ou grandes afluxos nas enfermarias”.

Apesar de em Portugal se estar a subir, mas os valores não serem “ainda muito preocupantes”, é importante “vermos o que acontece nas próximas semanas”.

O pneumologista Filipe Froes defende que esta monitorização devia ser um caminho a seguir em Portugal. “Era fundamental que Portugal incorporasse de uma forma mais consistente uma monitorização das variantes em circulação, através das águas de esgoto. Isso tem a vantagem de detetar mais precocemente acréscimos de atividade, e caracterizar melhor quais as sublinhagens em circulação”, explica o médico à Executive Digest.

Manuel Carmo Gomes sublinha duas mensagens importantes:

– Temos de continuar atentos a esta tendência, que se está a observar nas últimas semanas, nos países do norte da Europa, que estão em subida há mais tempo, e acompanhar para ver se a situação se agrava com a entrada do inverno, em janeiro fevereiro

– O vírus não pára de evoluir, não desistiu, continua a mudar rapidamente. O docente universitário destaca que um estudo recente veio mostrar que o SARS-CoV-2 tem uma velocidade de mutação duas vezes superior a um dos vírus da gripe com maior capacidade de mutação.

Perante esta realidade, a vacinação reveste-se de grande importância, especialmente em época de maiores contactos. Manuel Carmo Gomes, citando um estudo recentemente conduzido no Reino Unido, explica que o risco de morte aumenta exponencialmente em pessoas com mais de 80 anos, quando infetadas após mais de seis meses desde a última vacina.

“Com o vírus a mudar desta maneira, e sabendo que a proteção nos mais idosos é temporária, é muito provável que tenhamos de lidar com este vírus como o da gripe: com uma dose de vacina nos idosos e doentes crónicos, pelo menos uma vez por ano”.

As recomendações dos especialistas
Os especialistas são unânimes: não esquecer as lições da pandemia, todos os dias, em especial nestes períodos de maior circulação de vírus respiratórios, e maiores concentrações populacionais. “Não mudou nada”, começa por dizer Manuel Carmo Gomes, recordando o arejamento de espaços nas reuniões de Natal e Passagem de Ano, a higienização das mãos e manutenção da etiqueta respiratória. No caso dos mais idosos ou pessoas com alguma comorbidade associada, pode ser recomendável ficarem numa mesa à parte.

A vacinação é, para Carmo Gomes e Filipe Froes, a primeira recomendação a ser dada. “Temos na população com mais de 80 anos 60% de cobertura e taxa vacinal, na população com mais de 60 anos cai para 50%. É baixo e temos mesmo de aumentar”, sustenta.

Filipe Froes defende ainda outras medidas estruturais para combate à Covid-19. “Era importante haver reforço nas campanhas de apelo à vacinação da população, também baixaria o limite de administração da vacina de 60 para 50 anos, daria possibilidade de estas vacinas poderem ser prescritas pelos médicos para todas as pessoas que quisessem ser vacinadas, e alargava a vacinação a dois grupos essenciais e com impacto na circulação do vírus: todas as pessoas com risco acrescido de contacto e transmissão, nomeadamente, empregados de comércio e professores, deviam estar nos grupos prioritários”, indica à Executive Digest.

Os especialistas recordam que para além do Natal e Ano Novo ainda há regras a cumprir todos os dias, até porque permanece uma norma da DGS ainda em vigor.

Assim tenha em atenção que todas as pessoas com sintomas respiratórios e sem diagnóstico:

– Devem manter máscaras em contacto com outras pessoas ou na presença de espaços públicos

-Devem evitar espaços fechados ou aglomerados,

– Devem manter distanciamento físico, etiqueta respiratória e higienização das mãos

Já as pessoas com teste positivo à Covid-19, segundo a norma:

– Devem manter máscara no contacto com qualquer pessoa 10 dias após o início das queixas

– Devem manter etiqueta respiratória, higienização das mãos e promover o distanciamento físico, evitando espaços públicos e aglomerados 5 dias após o inícios das queixas ou sintomas.

Filipe Froes deixa ainda alguns sinais de alerta que devem motivar contacto para as autoridades de saúde, no caso da infeção pela Covid-19:

– Febre persistente (mais de três dias)

– Febre que desapareceu e voltou a aparecer

– Aparecimento de falta de ar ou de sangue na expetoração

– Alterações no estado de consciência

– Alterações no transito gastro intestinal, vómitos, náuseas ou diarreia, que impeçam a tomada de medicação por via oral