Putin e Xi Jinping reforçam aliança no Kremlin e apresentam-se como defensores da ordem mundial

O presidente russo, Vladimir Putin, recebeu esta quinta-feira o homólogo chinês, Xi Jinping, no Kremlin, num encontro simbólico marcado pelas celebrações do 80.º aniversário da vitória sobre a Alemanha nazi na Segunda Guerra Mundial. Durante a reunião, ambos os líderes reforçaram os laços bilaterais e apresentaram-se como guardiões da “verdade histórica” e da ordem internacional, numa aliança que desafia o Ocidente e que se tem tornado cada vez mais estratégica desde o início da guerra na Ucrânia.

Putin agradeceu a Xi a sua presença nas comemorações em Moscovo, considerando-a um gesto de grande significado num momento de forte tensão internacional. “A vitória sobre o fascismo, alcançada ao custo de enormes sacrifícios, tem um significado duradouro”, afirmou o presidente russo, citado pela Reuters. “Juntamente com os nossos amigos chineses, estamos firmemente na linha da frente da defesa da verdade histórica, protegendo a memória dos acontecimentos dos anos da guerra e combatendo as manifestações modernas de neonazismo e militarismo.”

A narrativa da “luta contra o nazismo” tem sido um dos principais pilares da justificação do Kremlin para a invasão da Ucrânia, desde fevereiro de 2022. Kyiv e os seus aliados, no entanto, rejeitam veementemente essa caracterização, classificando-a como uma distorção grotesca da realidade. Acusam Moscovo de levar a cabo uma invasão de estilo imperialista, com o objetivo de subjugar a Ucrânia e redelinear as fronteiras europeias pela força.

Por sua vez, Xi Jinping aproveitou o momento para se posicionar ao lado da Rússia na crítica ao que designou de práticas unilaterais e de intimidação no sistema internacional, numa alusão velada aos Estados Unidos. “Como potências mundiais e membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a China e a Rússia trabalharão juntas para se oporem ao unilateralismo e ao bullying”, afirmou o presidente chinês. E acrescentou: “Promoveremos em conjunto uma visão correta da história da Segunda Guerra Mundial, salvaguardaremos a autoridade e o estatuto das Nações Unidas, defenderemos com determinação os direitos e interesses da China, da Rússia e da vasta maioria dos países em desenvolvimento, e trabalharemos juntos para promover uma globalização económica multipolar, inclusiva, ordenada e equitativa.”

Um encontro de aliados estratégicos
A receção no Kremlin foi marcada por grande solenidade, com os dois líderes a aproximarem-se um do outro por extremos opostos de uma das mais sumptuosas salas do palácio, caminhando sobre um tapete vermelho até se cumprimentarem com um aperto de mão diante das câmaras. Ambos se trataram por “querido amigo”, sublinhando o caráter pessoal e estratégico da relação.

Xi é o mais poderoso dos mais de duas dezenas de líderes estrangeiros que se encontram esta semana em Moscovo para participar nas comemorações do fim da Segunda Guerra Mundial. Para Putin, trata-se de uma oportunidade crucial para mobilizar o sentimento patriótico interno e demonstrar, perante a comunidade internacional, que não está isolado apesar das sanções ocidentais. A União Soviética perdeu cerca de 27 milhões de pessoas na guerra — incluindo milhões de ucranianos — e a vitória sobre o nazismo é um dos pilares da identidade nacional russa.

Putin decretou um cessar-fogo unilateral de três dias na guerra com a Ucrânia, com início precisamente na quinta-feira, data das celebrações. Kyiv, no entanto, recusou alinhar, considerando a trégua uma manobra de propaganda destinada a criar a ilusão de que Moscovo deseja o fim do conflito. A Ucrânia declarou, em contrapartida, estar disposta a negociar um cessar-fogo de pelo menos 30 dias.

Apesar do anúncio russo, continuaram a registar-se combates em várias frentes. De acordo com um porta-voz militar ucraniano citado pela Reuters, as tropas russas mantiveram ofensivas em diferentes zonas do leste do país. A força aérea da Ucrânia indicou ainda que aviões russos lançaram bombas guiadas na região de Sumy, no norte. Ainda assim, as autoridades ucranianas confirmaram que, desde o início do cessar-fogo, não houve incursões de mísseis ou drones russos no espaço aéreo ucraniano.

Presença militar chinesa no desfile e acordos em preparação
Um dos momentos mais aguardados das celebrações será o desfile militar na Praça Vermelha, previsto para esta sexta-feira, onde tropas chinesas participarão ao lado das forças armadas russas. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia já criticou a presença de militares estrangeiros no evento, alegando que tal participação contradiz a posição de neutralidade de vários países no conflito.

Xi Jinping tem apelado à resolução pacífica da guerra na Ucrânia e tem acusado os Estados Unidos de prolongarem o conflito através do fornecimento de armamento a Kyiv. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já instou por várias vezes o líder chinês a usar a sua influência para pressionar Putin a parar a guerra.

O encontro entre Putin e Xi deverá culminar na assinatura de vários acordos bilaterais para reforçar a chamada parceria estratégica “sem limites” que os dois países anunciaram em fevereiro de 2022, semanas antes do início da invasão da Ucrânia. Desde então, a China tem sido uma tábua de salvação para a economia russa, comprando volumes crescentes de petróleo e gás e tornando-se no seu maior parceiro comercial.

A visita de Xi a Moscovo e a sua presença num momento tão simbólico para a Rússia reforçam o eixo Pequim-Moscovo, numa altura em que ambos os países enfrentam pressões crescentes por parte do Ocidente — seja através de sanções, guerras comerciais ou isolamento diplomático. A mensagem que pretendem passar ao mundo é clara: continuam unidos e determinados a moldar uma nova ordem global.