
Preços dos ovos disparam em Portugal: setor não esconde “preocupação por futuro incerto” e “novos aumentos”
O preço dos ovos sofreu, nos últimos anos, um aumento significativo, tornando-se o produto com maior subida de preço no cabaz alimentar, composto por 63 itens, analisado pela DECO PROteste.
Desde o início de 2025, o custo médio de uma dúzia de ovos passou de 1,61 euros para 2,05 euros, o que representa uma variação de 27,2%. Face a março de 2024, quando o preço era de 1,53 euros, o aumento foi ainda mais expressivo, atingindo os 33% num único ano. Se recuarmos até janeiro de 2022, altura em que a DECO Proteste iniciou a monitorização dos preços devido à escalada da inflação, a subida acumulada chega aos 79%.
Em Espanha, o cenário é mais sombrio: nas últimas duas semanas, o preço dos ovos registou um aumento de 25%, segundo dados do OCU (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos), com indicações que poderá continuar a subir nos próximos meses – os ovos tornaram-se uma fonte alternativa de proteína dos espanhóis, cujo consumo aumentou 8,7% em 2023, sendo que o consumo médio dos alimentos caiu 1,5%.
As associações de produtores apontaram para o aumento da procura por ovos espanhóis na UE após a chegada da gripe aviária às quintas do norte da Europa, o que levou ao abate de 15 milhões de aves. Essas organizações destacaram que, por falta de animais para atender à procura interna, estes países recorrem a vizinhos com modelos de produção e garantias semelhantes, como Espanha. A indústria de ovos do país vizinho tem capacidade de autossuficiência de 120%, já que exporta 20%, o que faz de Espanha o terceiro maior produtor da União Europeia, com 13,5% do total em 2023, atrás apenas da França (14,4%) e da Alemanha (14,1%).
Nos Estados Unidos, o surto da gripe aviária já obrigou ao abate de 160 milhões de aves, uma situação agravada pelo inverno, sendo que o declínio de produção deverá levar vários meses para recuperar. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) contactou vários países produtores de ovos – incluindo Portugal – no final de fevereiro último. “Têm uma estimativa do número de ovos que poderiam ser fornecidos aos Estados Unidos (supondo que eles atendam a todos os requisitos de importação)?”, questionaram.
Os EUA relataram uma escassez de ovos que tem feito disparar os preços. No seu primeiro dia no cargo, o presidente Donald Trump prometeu baixar os preços. Entretanto, em fevereiro (o primeiro mês completo de sua administração), os preços dos ovos aumentaram 59% em comparação ao ano anterior. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor do Governo americano, o preço nacional de uma dúzia de ovos grandes era de 1,93 dólares em janeiro de 2022. A primeira crise elevou o preço para 4,25 dólares em dezembro de 2023. Ao longo de 2024, a situação normalizou, sendo que os aumentos regressaram no final do ano: em novembro, já custavam 3,65 dólares, em dezembro 4,15 dólares, sendo que em janeiro custou 4,95 dólares – em março, já superou os 5 dólares.
E em Portugal? A ‘Executive Digest’ contactou Paulo Mota, responsável da ANAPO – Associação Nacional dos Avicultores Produtores de Ovos -, para nos traçar o panorama do setor e não escondeu a preocupação pela ‘turbulência’ recente no setor.
“O próprio setor não está agradado com esta situação de aumento de preços. Portugal está com preços inferiores a outros países da União Europeia, não tem entrado tanto na especulação como outros países, nomeadamente no país vizinho”, começou por indicar o responsável da associação que existe desde 1975 e que representa atualmente 90% da produção nacional. “Com preços demasiado elevados, o setor fica prejudicado porque se procuram alternativas. Não só a imagem, mas porque há procura de alternativas ao ovo, sobretudo em indústrias onde não se vê ovo.”
A gripe aviária suscitou uma “preocupação ainda maior, o futuro acaba por ser incerto e o próprio setor tem de constituir fundos”, apontou Paulo Mota. “Devemos estar conscientes que o problema existe, que vamos ter cada vez mais casos, e fora de época de risco [entre outubro até à primavera]. Nos últimos anos, tem havido casos fora da época de maior risco, estamos cada vez mais próximos [de um surto de gripe aviária] que pode ser um, dois, cinco anos. Depende da evolução que venha a haver na área das vacinas.”
Os produtores esperam que os preços registem uma estabilização ou queda em breve. “Não faz sentido continuar a haver aumentos. A tendência será para a estabilização ou, até, diminuição. A época de gripe termina em março e, em condições normais, o número de casos de gripe diminui”, frisou.
A pressão da procura nos EUA tem impacto em Portugal? Paulo Mota garantiu que não há capacidade no país. “Não há disponibilidade de produto para exportação neste momento”, sublinhou. “Em termos de autossuficiência, Portugal tem vindo a diminuir. Já tivemos 115%, 116% de autossuficiência, e neste momento estamos a pouco mais de 100% – e a produção aumentou significativamente, mas no entanto não acompanhou o acréscimo de consumo.”
“É muito a história do lençol na cama: se puxamos para um lado, falta no outro. No fundo, é o que acontece com os EUA: há movimentos de ovos em todo o mundo, portanto se os EUA vão comprar num mercado, vão fazer falta noutro”, assumiu o responsável. “Se há essa procura – e já houve procura no mercado nacional através da embaixada americana – e ninguém se manifestou interessado. Eles não falaram em preço, mas imagine que alguém diz que compra a 3 euros. Porque é que o produtor há-de vender a 2 no mercado? Isto pode alimentar o preço do ovo.”
“Necessitamos de mais produção, mas o setor não tem libertado os meios suficientes para isso. São investimentos muito elevados, que também têm aumentado significativamente os custos”, referiu Paulo Mota. “Não tem havido apoios nos últimos anos ao investimento. Mas isso é apenas um dos ‘handicaps’: há questões de licenciamento. Hoje em dia não é fácil construir aviários: uma quinta com 40 mil aves, que é muito pouco, requer estudo de impacto ambiental. Pensamos quase em anos para concluir um processo destes.”
“Para além do capital necessário, não se consegue comprar hoje equipamento com um prazo de entrega inferior a 30 semanas. Por outro lado, se quisesse iniciar hoje a produção, mesmo que tivesse instalações, uma pinta que nasça hoje só produz ovos daqui a cinco meses. E não se consegue chegar ao mercado e pedir 10, 20 mil pintas para criar, tem de haver planeamento com antecedência”, concluiu o responsável da ANAPO.