Preço do gás na Europa pode enfrentar um desastre: especulação é uma “bombarrelógio”

Os preços do gás na Europa estão ‘sentados’ em cima de uma bomba, o que faz os investidores temer que possamos enfrentar um colapso dos preços: além do clima melhor do que o esperado, assim como oferta mais forte e preços mais baixos, trouxe uma onda de especulação durante o verão – os investidores, esperando problemas de oferta e forte temporada de compras, começaram a comprar posições longas no mercado de futuros em massa, para beneficiarem de uma reavaliação.

Não só pela própria natureza do mercado, que convidava a um ciclo ascendente, mas porque várias ameaças, com um possível corte de oferta na Rússia e problemas na Noruega, despertaram receios. No entanto, a grande subida do verão não aconteceu e, apesar disso, há apenas uma semana, as posições longas líquidas atingiram máximos de 2022, quando a guerra na Ucrânia enviou as matérias-primas para níveis históricos. Agora, essa montanha de apostas otimistas corre o risco de se tornar um grande êxodo.

Os analistas da ‘S&P Global’ destacaram que, apesar de não parecer um fator chave, pode agora desempenhar um papel importante na definição dos preços da energia na região, ao mesmo tempo na luta do BCE contra a inflação, mas sobretudo aos preços do consumidor. “Os hedge funds têm influência crescente nos mercados de gás”, referiram os analistas – na verdade, a empresa salientou que os fundos de investimento detêm 22% dos contratos futuros, e 37% se se somar as empresas de investimento ou instituições de crédito.

Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, tocou no assunto no seu relatório sobre a competitividade da União Europeia. “A Europa precisa de reduzir a volatilidade nos mercados de gás da UE”, explicou o antigo chefe de Governo italiano, que defendeu, dada a elevada influência destes atores, “a aplicação de limites às posições financeiras nos preços da energia”.

Especificamente, um “conjunto de regras”, à semelhança do que se faz nos Estados Unidos, “com os reguladores a colocar limites à posição financeira e, em circunstâncias em que os preços à vista diferem dos preços mundiais, a estabelecer limites máximos dinâmicos”. “A UE deve estabelecer um conjunto de regras comerciais comuns que se apliquem tanto aos mercados à vista como aos mercados de derivados e garantir a supervisão integrada dos mercados de energia e de derivados”, sustentou.

Mas que números fizeram disparar o alarme de alguns analistas?

As posições longas líquidas subiram 102% só em agosto, atingindo os seus máximos, com quase 270 mil milhões de euros. Esta última aceleração foi apenas mais um passo num avanço lento e constante nestes investimentos desde o início de 2024, que aceleraram conforme se aproximava do verão.

Por outro lado, o preço do gás não tem estado em linha, nomeadamente no momento crítico, já que no verão e nesse período é quando costumam ir ao mercado encher as ‘despensas’. No entanto, longe de ser um aumento brutal, este apenas foi limitado de cerca de 30 euros no início de maio para um teto temporário de 39 euros, de acordo com os preços do mercado holandês de gás natural, o preço de referência para todo o continente. Destes máximos já têm vindo a cair para os atuais 34 euros.

O problema é que, segundo dados do AGSI [sistema europeu de armazenamento de gás], hoje as reservas do continente já estão com 93% da capacidade, ou seja, praticamente cheias. Em setembro de 2022, neste momento estava 10 pontos abaixo. No entanto, igualou praticamente por completo os valores de 2023, onde, tal como aconteceu este ano, um clima mais favorável do que o esperado permitiu que as despesas fossem muito mais limitadas.

A Comissão Europeia explicou, num relatório recente, que atingiu este marco de ultrapassar os 90% inesperadamente e 10 semanas antes da data estimada. Alcançou-o a 21 de agosto. “Esta conquista está no mesmo nível do ano passado, quando os países da UE atingiram a meta de 90% em 18 de agosto.”

A instituição explica que além das temperaturas melhores do que as esperadas, que limitaram o consumo, houve um fator chave: uma diminuição da procura de eletricidade devido a problemas industriais e à expansão de outras fontes de energia.

Além disso, havia o receio, especialmente após a invasão ucraniana da região de Kursk, na Rússia, de que o país euro-asiático cortasse o fornecimento que passava pelo último gasoduto ativo, o Soyouz, algo que acabou por não acontecer.

Do ING salientaram que os aumentos de preços em agosto para 40 euros no seu ponto mais alto se devem ao “aumento da atividade especulativa causada pelos crescentes riscos de oferta”. Para o banco holandês, havia preocupações de que “os restantes fluxos do gasoduto russo através da Ucrânia possam ser interrompidos”.

Além do conflito, há outro problema problema mais rotineiro: várias falhas na rede de abastecimento da Noruega, devido a erros de manutenção, fizeram dispararam alarmes. “Existe a possibilidade de haver erros semelhantes.” Esse cúmulo de fatores, entre outros, tem sido essencial para explicar a grande entrada de posições compradas nessa commodity.

“Esta enorme posição longa líquida, juntamente com os stocks quase completos da UE, é uma bombarrelógio”, explicou Arne Lohmann Rasmussen, analista-chefe da ‘Global Risk Management’ em Copenhaga, citado pelo jornal espanhol ‘El Economista’. “Esperamos ter superado a procura das ondas de calor globais e, embora o furacão Francine ainda possa fornecer algum suporte de curto prazo ao mercado, o risco de preço agora é negativo.”

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