Precariedade, baixos salários, disparidades e horários desregulados: É este o retrato das mulheres trabalhadoras em Portugal
No primeiro trimestre de 2025, havia em Portugal 2,548 milhões de mulheres empregadas, das quais 2,244 milhões trabalhavam por conta de outrem, representando 88% do total, segundo os dados mais recentes do Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE). Embora as mulheres constituam cerca de metade da população ativa e do total de pessoas empregadas (49%), são maioria no trabalho assalariado, com uma representatividade de 51%.
A distribuição do emprego revela disparidades significativas entre homens e mulheres. As mulheres estão fortemente concentradas nos serviços – 85% trabalham neste setor, face a 62% dos homens – e estão substancialmente menos representadas na indústria, construção, energia e água (15,3% face a 34% dos homens). Também na agricultura, produção animal, floresta e pesca, os homens dominam (3% contra um número marginal de mulheres).
Dentro do sector dos serviços, o emprego feminino está fortemente concentrado na saúde e apoio social (16,8%), no comércio (13,4%) e na educação (12,8%). Estes três subsectores absorvem, em conjunto, 43% do emprego total das mulheres.
Mulheres mais qualificadas, mas com salários mais baixos
A percentagem de mulheres empregadas com ensino superior é significativamente elevada: 41% têm formação superior, 32% completaram o ensino secundário ou pós-secundário, mas 27% continuam a ter no máximo o 9.º ano. Ainda assim, os níveis de qualificação das mulheres superam os dos homens — apenas 28% dos homens empregados têm ensino superior e 37% não foram além do 9.º ano.
Contudo, esta melhoria das habilitações não se reflete de forma proporcional no aumento salarial ou no acesso a melhores condições de trabalho. A estrutura económica nacional, fortemente baseada em sectores com trabalho mal remunerado e precário, impede muitas trabalhadoras qualificadas de exercer funções compatíveis com as suas competências. Persistem também discriminações de género no acesso a cargos, remuneração e estabilidade laboral.
Precariedade atinge quase 27% das trabalhadoras assalariadas
A precariedade laboral continua a ser uma marca do emprego feminino em Portugal. Cerca de 590 mil mulheres trabalham com vínculos precários, o que representa 26,8% das assalariadas. A incidência de contratos não permanentes é ainda mais elevada no sector privado (28,8%). Já na Administração Pública, estima-se que 53 mil mulheres tenham contratos a termo, representando 11,4% do total de trabalhadoras do sector. A este número somam-se ainda milhares de trabalhadoras com contratos de tarefa ou avença.
A situação agrava-se entre as mais jovens e as estrangeiras: 51% das trabalhadoras com menos de 25 anos têm vínculos precários, bem como 35% das trabalhadoras imigrantes.
Esta realidade tem consequências económicas graves: trabalhadores precários ganham, em média, menos 20% que os permanentes, têm mais probabilidade de ficar desempregados (o fim de contratos precários explica mais de 40% do desemprego), menos acesso a subsídios de desemprego (devido a contratos curtos) e maior risco de pobreza (10,4% contra 6,2% entre os trabalhadores permanentes, mesmo após apoios sociais).
Teletrabalho cresce – mas não reduz as desigualdades
Apesar do fim da pandemia da Covid-19, o teletrabalho mantém-se em alta, segundo os dados atualizados do INE. No primeiro trimestre de 2025, 550 mil mulheres (21,6% das empregadas) estava em regime de teletrabalho. Destas 37% laboravam remotamente alguns dias por semana, 26% fora do horário normal, 24% em regime contínuo e 13% de forma pontual.
Salários baixos atingem maioria das mulheres
Mais de 60% das mulheres trabalhadoras auferem um salário base bruto inferior a 1.000 euros mensais. No total, são 1,19 milhões de mulheres nesta situação, das quais 351 mil (18%) recebem apenas o salário mínimo nacional, segundo dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) e do Instituto da Segurança Social.
A situação salarial das mulheres em Portugal está também abaixo dos padrões europeus. Segundo o Eurostat (2023), os salários médios em Portugal correspondem a apenas 60,5% da média da União Europeia e 54,8% da média da Zona Euro.
De acordo com o INE, o rendimento salarial líquido médio mensal das mulheres trabalhadoras por conta de outrem era, no primeiro trimestre de 2025, de 1.095 euros. No entanto, as mulheres com contratos a termo ganham menos 19,5% que as com contrato permanente, e as que se encontram em falso trabalho independente recebem, em média, menos 27,9%.
O diferencial salarial entre géneros mantém-se acentuado: as mulheres ganham, em média, menos 17% que os homens — uma diferença de 225 euros mensais. Esta desigualdade é mais pronunciada nos escalões mais qualificados. Segundo os Quadros de Pessoal de 2023, a diferença no salário base bruto entre homens e mulheres é de cerca de 13% (menos 164 euros), mas entre quadros superiores ultrapassa os 700 euros (diferença de 26%). Entre quadros médios, o diferencial é de 15,3% (286 euros) e entre profissionais altamente qualificados, 14,8% (212 euros). Nos trabalhos não qualificados, a diferença é menor devido à aplicação do salário mínimo.
A precariedade e os baixos salários levam muitas mulheres a procurar rendimentos adicionais. No primeiro trimestre de 2025, cerca de 139 mil mulheres (5,5% do total de trabalhadoras) tinham uma segunda actividade profissional.
Horários longos e desregulados marcam a vida das trabalhadoras
Portugal continua a ser um dos países da União Europeia com maior número de horas semanais de trabalho a tempo completo — 41 horas em média. Além disso, os horários de trabalho são altamente desregulados. Cerca de 1,3 milhões de mulheres trabalhadoras por conta de outrem no sector privado e empresarial do Estado estão sujeitas a regimes como adaptabilidade (69%), bancos de horas (5%), isenção de horário (3%) ou horários concentrados (2%). Apenas 335 mil mulheres (21%) têm um horário de trabalho regular, percentagem que tem vindo a diminuir desde 2018.
A desregulação também se manifesta nos horários atípicos. Em 2023, mais de 1,9 milhões de trabalhadores por conta de outrem — 44,5% do total — trabalhavam por turnos, ao serão, à noite ou aos fins-de-semana. As mulheres representavam 48% deste universo (919,5 mil), sendo que 800 mil trabalhavam ao sábado, 551 mil ao domingo, 440 mil ao serão, 345 mil por turnos e 176 mil à noite. Muitas acumulavam mais do que um destes regimes. No total, 41,7% das mulheres assalariadas tinham horários atípicos em 2023, percentagem que tem vindo a crescer, sobretudo no sector dos serviços, onde chega aos 46%.
Conferência nacional vai debater futuro das mulheres no trabalho
Face a este cenário, a Comissão para a Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN organiza a 9.ª Conferência Nacional no próximo dia 5 de Junho, a partir das 9h30, Hotel VIP Executive Entrecampos, em Lisboa, segundo indica a estrutura sindical em comunicado. O evento visa discutir a situação actual das mulheres no mundo do trabalho, apresentar novas reivindicações e eleger a Direção Nacional para o mandato 2025-2029.