Possível força de coligação para a Ucrânia gera divisões entre líderes europeus. Que exércitos se poderiam juntar ao Reino Unido em combate?

A possibilidade de uma força multinacional ser enviada para a Ucrânia como parte de um eventual acordo de paz está a dividir os líderes europeus. Embora o Reino Unido tenha sido o primeiro a manifestar disponibilidade para colocar tropas no terreno, outros países, incluindo a Alemanha, Itália e Espanha, mostram-se céticos quanto à eficácia e viabilidade de tal missão. A Joint Expeditionary Force (JEF), uma coligação de dez países do norte da Europa liderada pelos britânicos, surge como uma possível solução, mas enfrenta desafios logísticos, políticos e militares.

Desde que Vladimir Putin ordenou a invasão em grande escala da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, nenhuma medida ocidental conseguiu dissuadi-lo. Quase três anos depois, tanto Moscovo como Kiev enfrentam um impasse militar, sem perspetivas de uma vitória clara.

Com o regresso de Donald Trump à Casa Branca, a dinâmica diplomática pode mudar. O ex-presidente norte-americano, que já iniciou negociações com Putin, pode obrigar o Kremlin a considerar seriamente um acordo de paz. O cenário mais provável, segundo analistas, seria um cessar-fogo que resultasse numa zona desmilitarizada de cerca de 1.300 quilómetros, congelando a linha da frente e deixando cerca de 20% do território ucraniano sob controlo russo.

Perante esta perspetiva, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, insiste na necessidade de uma força multinacional para supervisionar e garantir a estabilidade da região, prevenindo uma nova ofensiva russa. No entanto, a NATO e os Estados Unidos não deverão desempenhar um papel central nesta força de dissuasão, transferindo essa responsabilidade para os europeus.

O Reino Unido lidera esforços, mas encontra resistência
O primeiro-ministro britânico, Sir Keir Starmer, foi o primeiro a declarar disponibilidade para enviar tropas para a Ucrânia como parte de um eventual acordo. Em França, também se começou a discutir a possibilidade de uma força de “reassurance” (reasseguramento), que ficaria estacionada atrás das linhas da frente para dissuadir novos ataques russos.

Contudo, uma reunião de emergência dos principais líderes europeus, realizada na segunda-feira em Paris, expôs profundas divisões sobre o envio de tropas. O chanceler alemão, Olaf Scholz, criticou a ideia, classificando-a como “prematura” e “altamente inadequada”. “Estou até um pouco irritado com estes debates”, afirmou Scholz, antes de abandonar a reunião mais cedo para participar num debate eleitoral na Alemanha.

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, mostrou reservas, argumentando que colocar tropas no terreno seria “o método mais complexo e menos eficaz para garantir a paz”. Já o ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Albares, rejeitou por completo a ideia: “Ninguém está, neste momento, a considerar enviar tropas para a Ucrânia. A paz ainda está muito distante, e por uma única razão: Vladimir Putin”.

A Polónia, um dos aliados mais firmes de Kiev, também demonstrou hesitação. O primeiro-ministro Donald Tusk afirmou que a principal prioridade de Varsóvia é a defesa da fronteira oriental da NATO.

A Joint Expeditionary Force como possível solução
Diante das divisões internas da UE, uma alternativa surge com a Joint Expeditionary Force (JEF), uma coligação militar de dez países nórdicos e do norte da Europa, composta pelo Reino Unido, Noruega, Finlândia, Suécia, Estónia, Letónia, Lituânia, Dinamarca, Islândia e Países Baixos.

Vários líderes da JEF já demonstraram, ainda que de forma cautelosa, interesse em contribuir para uma missão internacional na Ucrânia. Se aliada a França, esta força poderia mobilizar entre 40.000 e 50.000 soldados para uma missão de dissuasão.

Michael Kofman, especialista do Carnegie Endowment e um dos analistas militares mais respeitados, afirmou que a presença de uma força multinacional não teria de cobrir toda a linha da frente. “A força não precisa de estar em todo o lado. Basta que tenha batalhões posicionados em quatro direções operacionais e mobilidade suficiente para se deslocar rapidamente para onde for necessário”, explicou Kofman.

As regiões de Kharkiv, Donetsk e Zaporíjia são vistas como os locais mais prováveis para novas ofensivas russas, caso o conflito seja reativado. Assim, qualquer força destacada para a Ucrânia teria de estar altamente armada, contando com tanques de batalha Challenger 2 e Leopard 2, artilharia pesada e helicópteros de ataque. Além disso, precisaria de uma elevada mobilidade para cobrir uma vasta zona desmilitarizada.

Hamish de Bretton-Gordon, ex-comandante de tanques britânico, sublinha que qualquer força europeia terá de demonstrar força. “Temos de ser capazes de suprimir o inimigo. Quando a Rússia olhar para Oeste, tem de ver uma força que a faça pensar duas vezes antes de agir”, declarou.

O próprio site oficial da JEF descreve a coligação como composta por “forças de alta prontidão, configuradas para responder rapidamente a crises”.

O Reino Unido poderá enviar até 20.000 soldados, incluindo unidades de comandos e reservistas, enquanto outros países contribuiriam proporcionalmente, consoante o tamanho dos seus exércitos.

Desafios logísticos e oposição russa
Uma operação desta magnitude exigiria meses de preparação, e o destacamento de forças teria de ser cuidadosamente coordenado para evitar comprometer outros compromissos militares dos países envolvidos. O Reino Unido, por exemplo, mantém contingentes em países como a Estónia e Chipre, além de forças estacionadas na NATO.

Outro fator crucial seria a necessidade de apoio dos EUA, mesmo que não participassem diretamente na missão. Cobertura aérea, acesso a satélites de reconhecimento e drones de vigilância seriam fundamentais para monitorizar a zona desmilitarizada.

No entanto, Moscovo já sinalizou a sua oposição a qualquer presença militar europeia na Ucrânia. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, rejeitou a ideia de tropas ocidentais no país, independentemente da bandeira sob a qual operassem. “A presença de forças armadas, sob qualquer pretexto, é completamente inaceitável”, afirmou Lavrov, durante negociações com os EUA mediadas pela Arábia Saudita.

Se a missão avançar, os militares destacados para a Ucrânia teriam de enfrentar condições desafiantes. Nos primeiros meses, as tropas viveriam em tendas, como é habitual em operações expedicionárias. À medida que a missão se prolongasse, seria necessário melhorar as infraestruturas, incluindo a construção de quartéis, ginásios e refeitórios.

A rotatividade das tropas seria essencial para manter a prontidão operacional. Oficiais superiores poderiam ser substituídos anualmente, enquanto as unidades de combate seriam rendidas a cada seis meses.

Contudo, qualquer força destacada para a Ucrânia teria de lidar com uma dura realidade: a missão dificilmente seria permanente. Manter uma presença militar europeia ao longo do tempo implicaria um esforço financeiro e logístico considerável, colocando pressão sobre os orçamentos de defesa nacionais.

Por agora, os líderes ocidentais terão de explicar a Zelensky que, mesmo que uma missão de paz seja aprovada, esta poderá ter uma duração limitada.