Portugal tem um ‘trunfo na manga’ que escapa às tarifas de Trump: a gasolina

Num cenário internacional marcado por disputas comerciais e tarifas cada vez mais apertadas, Portugal parece ter descoberto uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro” nas suas exportações para os Estados Unidos: o petróleo refinado, sobretudo sob a forma de gasolina. Este produto tornou-se, em 2024, o bem individual mais exportado de Portugal para território norte-americano — e, ao contrário de muitos outros, está completamente isento de tarifas.

A troca funciona com eficácia quase mecânica. Portugal importa crude norte-americano, beneficia do seu preço competitivo e refina-o internamente, para depois o exportar novamente, transformado em combustíveis. Em janeiro deste ano, só esse segmento de exportações movimentou 62 milhões de euros. No total acumulado de 2024, o valor já ultrapassou os 1,07 mil milhões de euros, segundo dados do Observatory of Economic Complexity (OEC).

A explicação para este fenómeno assenta na natureza dos mercados globais da energia. “Os refinadores, incluindo o português — a Galp —, compram o crude que lhes é mais vantajoso, quer do ponto de vista da qualidade, porque tem influência nos custos da refinação, quer também do preço que é oferecido nos mercados internacionais”, explicou à CNN Portugal o engenheiro António Comprido, secretário-geral da EPCOL (Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes).

A dinâmica do setor separa claramente duas realidades: o mercado do crude e o dos produtos refinados. “Este é um mercado a montante da refinação e que significa o aprovisionamento em matéria-prima”, refere Comprido. Mas “depois, um mercado independente e que não tem nada a ver, é o dos produtos refinados — as gasolinas, os gases de óleos, o jet fuel, o GPL, enfim, todos os produtos que saem da refinação do crude. Este é outro mercado, onde obviamente o refinador vende onde consegue preços que lhe sejam também mais favoráveis”.

Apesar de os produtos farmacêuticos — empacotados e não empacotados — e até a borracha continuarem a representar grandes parcelas das exportações portuguesas para os EUA, é o petróleo refinado que lidera, de forma isolada. O mais surpreendente? É precisamente este produto que escapa às tarifas impostas pela administração norte-americana, mesmo sob a presidência de Donald Trump, conhecida pelas políticas protecionistas.

A razão para esta exceção é técnica e estratégica. Refinação de crude é um processo complexo, onde não se pode simplesmente produzir gasolina sem que se gerem, em simultâneo, outros derivados, como gasóleo ou jet fuel. “A refinação tem alguns constrangimentos técnicos”, observa António Comprido. “Produzir gasolina gera um excedente dos restantes derivados do crude”, o que representa um problema para países como os EUA, que não têm capacidade de escoamento suficiente para esses subprodutos.

Assim, a imposição de tarifas sobre o petróleo refinado iria colocar ainda mais pressão sobre um sistema já limitado. “Os EUA não vão conseguir ultrapassar o défice de gasolina e a necessidade de importação de um momento para o outro“, garante o engenheiro. E, por isso mesmo, “não há impacto de as tarifas não incidirem sobre os produtos energéticos, o que inclui a gasolina”.

Este cenário coloca Portugal numa posição invulgarmente favorável. Enquanto outros setores da economia nacional — como o farmacêutico — enfrentam o risco crescente de tarifas no acesso ao seu quarto maior mercado de exportação, o setor energético beneficia de uma isenção que lhe dá margem de manobra e competitividade acrescida.

A aposta portuguesa na refinação e exportação de combustíveis pode, assim, ser não apenas um modelo de eficiência energética, mas também uma peça-chave na relação comercial luso-americana nos próximos anos. Numa conjuntura global onde o protecionismo ganha força, encontrar brechas no sistema pode fazer toda a diferença — e, neste caso, Portugal parece ter descoberto a mais valiosa.