Porque é que os Açores nunca vão sofrer um apagão como o que afetou a Península Ibérica? As explicações de especialistas

Ao contrário do que aconteceu na manhã de 28 de abril, quando um apagão de grandes dimensões afetou a Península Ibérica pelas 11h33, os Açores dificilmente enfrentarão um cenário semelhante. A segurança do sistema elétrico do arquipélago assenta numa gestão conservadora da produção de eletricidade, onde a penetração de fontes renováveis intermitentes — como a energia solar e eólica — é limitada, precisamente para salvaguardar a estabilidade da rede.

“É tudo uma questão de controlo. Não conseguimos controlar, a cada momento, a potência da energia solar fotovoltaica. E controlamos muito pouco a eólica”, explicou à CNN Portugal Félix Rodrigues, administrador da EDA Renováveis, empresa pública dos Açores dedicada à transição energética.

Ao contrário do modelo continental, que no momento do apagão operava com cerca de 80% de eletricidade proveniente de fontes renováveis (das quais 78% eram solar e eólica), os Açores mantêm uma política cautelosa quanto à produção intermitente. Segundo o Relatório de Gestão de 2023 da EDA, as centrais eólicas e solares responderam, no total, por apenas 9% da eletricidade produzida no arquipélago. Em contraste, as centrais termoelétricas e geotérmicas asseguram 85% das necessidades energéticas, enquanto as centrais hídricas contribuem com mais 4%.

Na prática, esta abordagem significa que cada ilha gere a sua produção de forma independente e com margens de segurança apertadas. “Na ilha Terceira, por exemplo, desligamos da rede um dos dois parques eólicos durante a noite”, revelou Félix Rodrigues. Já Pinto de Sá, professor do Instituto Superior Técnico e autor de um estudo técnico sobre a Terceira, recorda que “há uns anos foi chumbada uma proposta para instalar uma central fotovoltaica, porque a potência já estava ocupada por outras fontes: duas centrais eólicas e uma central de cogeração a partir do lixo”.

A contenção aumenta quanto menor é a ilha. No Corvo, por exemplo, a introdução repentina de energia solar — mesmo que seja proveniente de autoconsumo — pode colocar em risco o equilíbrio da rede. “Se não houvesse controlo, poderia levar ao colapso”, alertou Félix Rodrigues.

A segurança está nas turbinas pesadas
A estabilidade do sistema elétrico açoriano depende, sobretudo, da inércia proporcionada por turbinas mecânicas pesadas, como as que operam em centrais térmicas, hídricas e geotérmicas. Este tipo de infraestrutura tem uma capacidade de resposta automática a flutuações repentinas da produção ou do consumo, o que é essencial em contextos insulares e isolados da rede continental.

De acordo com Félix Rodrigues, o “limite técnico” de produção elétrica a partir de fontes intermitentes nas ilhas ronda os 30%. É um valor considerado seguro, mas muito inferior à percentagem registada na Península Ibérica no momento do apagão — o que ajuda a explicar por que motivo os Açores estão mais protegidos contra este tipo de falhas.

Apesar da prudência atual, o arquipélago não pretende abdicar da transição energética. No entanto, essa transição será feita com outras prioridades. A estratégia não passa por aumentar exponencialmente a produção solar e eólica, mas sim por substituir o diesel nas centrais termoelétricas por combustíveis mais sustentáveis.

“No futuro, quando tivermos excesso de energia renovável nos Açores, poderemos utilizá-la para produzir hidrogénio ou um combustível sintético para as nossas centrais termoelétricas”, antecipa Félix Rodrigues. Contudo, deixa claro que é necessário avaliar os custos e a maturidade tecnológica antes de avançar: “A EDA Renováveis, embora seja pública, como qualquer outra empresa não existe para dar prejuízo.”

Com este modelo descentralizado e altamente controlado, os Açores asseguram uma maior resiliência energética e reduzem significativamente o risco de apagões de grande escala como o que afetou recentemente milhões de pessoas em Portugal e Espanha.