
Polémica com Montenegro e os cartazes do Chega: juristas divididos entre liberdade de expressão e direito à honra
A polémica em torno dos cartazes do Chega, nos quais o rosto do primeiro-ministro, Luís Montenegro, surge ao lado do de José Sócrates sob a mensagem “50 anos de corrupção, é tempo de dizer Chega”, continua a gerar debate. A inclusão da imagem de Montenegro levou o chefe do Governo a interpor uma providência cautelar contra o partido liderado por André Ventura, alegando que a sua honra e reputação foram postas em causa. A questão central que emerge é se os limites do direito à imagem e à honra foram ultrapassados neste caso.
A lei portuguesa prevê que a utilização da imagem de figuras públicas não exige consentimento quando se trata de situações de interesse público. O artigo 79.º do Código Civil determina que não é necessário consentimento “quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe […] ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou de factos de interesse público”. Contudo, a norma também estabelece que a utilização da imagem não pode resultar em prejuízo para “a honra, reputação ou simples decoro” da pessoa retratada.
Especialistas ouvidos pelo jornal Público reconhecem que, no caso dos políticos, o direito à imagem é “reduzido” devido à exposição pública inerente à função que desempenham. No entanto, estão divididos quanto à possibilidade de Montenegro poder invocar um dano reputacional com base no conteúdo do cartaz.
Uma campanha provocatória, mas legal?
Maria Madalena de Azeredo Perdigão, advogada especialista em Direito Penal, considera que, apesar da liberdade de expressão e do interesse público associados à vida política, “aqui pode ter havido um extravasar do direito à crítica quando o seu rosto é associado a uma imagem de corrupto”. A jurista sublinha ainda que “para todos os efeitos, também impera o princípio da presunção de inocência”.
Outro advogado, que preferiu manter o anonimato, defende que “o que está em causa não é a fotografia, mas a mensagem”. No seu entender, “é evidente que Montenegro pode alegar que o cartaz representa um prejuízo para a sua reputação, e o juiz até pode dar-lhe razão”. No entanto, salienta que “quando se trata de debate político, a liberdade de expressão é ainda mais ampla”.
Leonor Caldeira, também advogada, relembra que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem vindo a reforçar a protecção da liberdade de expressão e do direito à crítica, sobretudo no que diz respeito a figuras públicas. Explica que “o limite à utilização da imagem de políticos existe, por exemplo, se a imagem fosse obtida sem respeito pela sua intimidade e vida privada”. Quanto a uma possível ofensa à honra, sublinha que “precisaria tratar-se de um caso especialmente grave, com uma imputação de facto concreta e séria à sua pessoa”.
Outros casos semelhantes
A estratégia do Chega de utilizar imagens de adversários políticos em campanhas não é nova. Em 2023, o partido espalhou cartazes por várias localidades do país com a frase “Portugal precisa de uma limpeza”, acompanhada das silhuetas de figuras políticas como Ricardo Salgado, José Sócrates, António Costa e Fernando Medina, cada uma delas marcada com uma cruz vermelha.
Outros partidos também recorreram a esta tática. Em dezembro de 2023, a Iniciativa Liberal (IL) instalou um painel em frente à sede do Partido Socialista com a imagem de Pedro Nuno Santos e a mensagem “Prometo uma TAP em cada esquina”. Noutros outdoors, o ex-primeiro-ministro António Costa também foi alvo de caricaturas. Apesar do tom crítico, não houve registo de queixas formais relacionadas com essas campanhas.
Para Leonor Caldeira, a ação de Montenegro “muito dificilmente terá sucesso nas instâncias judiciais”. A advogada explica que “o entendimento jurisprudencial é que não se pode pedir aos partidos políticos que sejam sempre ponderados, rigorosos e justos nos seus cartazes e no seu discurso político”. Acredita que, do ponto de vista legal, “o Chega terá uma vitória judicial de mão beijada”.