Parlamento Europeu é ‘capital’ do bullying: grau de intimidação e abuso no coração da democracia da UE está “fora de controlo”

Estrasburgo, mais concretamente o Parlamento Europeu, tem sido palco privilegiado de bullying, segundo relatou esta sexta-feira o jornal ‘POLITICO’: as autoridades da União Europeia têm falhado em proteger as vítimas por parte de políticos poderosos, que convivem com uma cultura de indiferença em relação ao assédio.

Uma investigação, realizada durante quatro meses, apontou que vários funcionários juniores ficaram marcados por anos de abuso – muitas das testemunhas descreveram sentir-se “física e mentalmente mortas”, ou até mesmo suicidas, devido ao assédio, com problemas com ansiedade e privação de sono durante os vários meses para que as suas queixas fossem resolvidas. Houve quem comparasse a experiência dos atrasos como “prisioneiros no corredor da morte”.

Segundo fontes contactadas pelo jornal, a escala de bullying dentro da sede da democracia da UE estava “fora de controlo”, sendo que, para as vítimas era mais fácil ficarem quietas – algumas relataram terem sido aconselhadas a desistir.

“Os funcionários temem apresentar as queixas porque o processo é muito stressante para as vítimas”, disse Marcel Kolaja, eurodeputado da Chéquia. “Não acho que tenham confiança no processo.”

Roberta Metsola ordenou uma revisão interna destinada a melhorar rapidamente o processo de tratamento de reclamações de assédio. A presidente do Parlamento Europeu anunciou recentemente sanções contra dois eurodeputados este ano – a luxemburguesa Monica Semedo e a espanhola Mónica Silvana González, ambas por assédio psicológico – são as únicas eurodeputadas censuradas por bullying desde que a legislatura foi eleita em 2019. Mas há dois outros – o belga Assita Kanko e espanhol José Ramón Bauzá – sob investigação das autoridades parlamentares.

A investigação do ‘POLITICO’, baseada em conversas com 37 indivíduos com conhecimento direto dos processos, revelou que um processo é visto como desanimador para as vítimas, tendencioso a favor dos eurodeputados, e sujeito a atrasos longos e inexplicáveis que conduzem apenas a sanções fracas por irregularidades; entre 2019 a 2021, as autoridades abriram 34 novos casos de assédio sexual ou psicológico no Parlamento; apenas 281 dos 705 eurodeputados fizeram o treino voluntário anti-assédio desde 2019; e, por último, uma reclamação pode demorar até 2 anos para que seja concluído o caso de assédio.

A política atual falha em proteger aqueles que arriscam tudo para se manifestar. Em alguns casos, as vítimas são ativamente desencorajadas a apresentar queixa para proteger a imagem do Parlamento. No cerne do problema está a dinâmica de poder entre os políticos e os funcionários contratados para atender às suas necessidades profissionais. “São mestres do seu próprio reino. A dinâmica institucional até os estimula a assumir esse papel”, denunciou um auxiliar, que apresentou queixa do seu chefe, e descreveu a sua experiência como ter sido “espremido como uma laranja”.

As equipas dos eurodeputados são normalmente constituídas por três assistentes parlamentares acreditados. Existem cerca de 2 mil assistentes em Bruxelas e Estrasburgo. Embora os contratos dos assistentes sejam mantidos centralmente com o Parlamento Europeu, o seu sucesso – ou sobrevivência – depende quase inteiramente dos deputados individuais para os quais trabalham.

A espanhola Mónica Silvana González – multada em 10 mil euros em janeiro por assédio psicológico – terá sido talvez o caso mais grave: de acordo com o relato de um dos três ex-assistentes, foi submetido a “humilhação pessoal e profissional”; recebeu mensagens grosseiras e foi obrigada a usar o próprio cartão de crédito para pagar até 700 euros em despesas do patrão; reuniões em sua casa em violação das restrições da Covid-19; até mesmo ser repetidamente pressionada a fazer tarefas pessoais para a eurodeputada, incluindo consertar a internet e a eletricidade de sua casa e até matricular o seu filho na Escola Europeia.

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