Pandemia. Como será o dia seguinte para o setor segurador?

Para John Neal, CEO da Lloyd’s of London, uma entidade de referência na indústria mundial de seguros, o pior ainda está para chegar. Este executivo afirmou que a pandemia de covid-19 tem o potencial de “eclipsar os efeitos de grandes catástrofes como o furacão Katrina ou os ataques terroristas do 11 de setembro” de 2001 (nos EUA) e de provocar perdas astronómicas. No caso da Katrina, recorde-se, os prejuízos para a indústria seguradora cifraram-se em cerca de 15 mil milhões de euros e foram considerados os piores da história.

Numa entrevista ao jornal Financial Times, e avisando que a pandemia será o acontecimento com o custo mais elevado de sempre no setor, Neal considerou que “as probabilidades de o mercado registar algo que não seja um prejuízo significativo em 2020 são nulas”.

Evan Greenberg, chairman e CEO da Chubb, companhia líder global no ramo P&C (propriedade e danos ou bens e acidentes) partilha da mesma opinião. “Estamos num momento sem precedentes”, disse à Bloomberg. “Nenhum de nós, que vivemos hoje, viveu um acontecimento desta natureza ou magnitude. Surreal e catastrófico”. O abalo causado por um evento global com a natureza desta pandemia assume “proporções históricas e não tem precedentes”, continuou.

Em declarações à Executive Digest, Nuno Sapateiro, associado coordenador das áreas de Bancário e Financeiro e Mercado de Capitais da PLMJ, diz que é inevitável concluir que todo o enquadramento decorrente do Covid-19 e a forma como os consumidores vão começar a encarar este tipo de riscos, irão levar o mercado segurador a adaptar a sua oferta de produtos no sentido de reverem as garantias de cobertura associadas a epidemias e pandemias. Portugal não é excepção. “O setor segurador já tem vindo a demonstrar que quer fazer parte da solução e prova disso mesmo é a abertura demonstrada pelas seguradoras que exploram o ramo doença no sentido de apresentarem soluções específicas para o risco do Covid-19 e aceitarem a cobertura de determinados custos associados a este risco que extravasam o âmbito dos produtos disponibilizados”, explica.

Este é um setor que já está sujeito a uma enorme pressão em termos de requisitos de solvência e compliance e que não tem condições para garantir, de forma exclusiva, riscos com a magnitude daqueles que podem resultar de pandemias, catástrofes naturais ou fenómenos sísmicos. “Tendo presente que se anuncia uma maior frequência deste tipo de fenómenos que, outrora, se qualificavam como extraordinários ou remotos, torna-se necessário pensar em soluções de disseminação do risco que envolvam os principais players do setor segurador e o próprio governo. Uma das soluções pode passar por aproveitar o trabalho que já foi feito com o fundo sísmico de forma a que se estude a possibilidade de replicar ou estender esta solução para outros fenómenos como este que estamos a viver”, acrescenta o advogado.

Por exemplo, a Munich Re, uma das maiores resseguradoras do mundo, já informou os acionistas e os investidores que devido à grande incerteza quanto aos impactos macroeconómicos e financeiros da COVID-19, na perspetiva atual – e assumindo um fardo de grandes perdas causadas pelo homem e por catástrofes naturais que, de outra forma, estão dentro das expectativas – “a Munich Re não atingirá o guidance de 2,8 mil milhões de euros de lucros em 2020, como um todo,” adverte a resseguradora.

Conselhos às seguradoras

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) recomenda que as seguradoras não distribuam dividendos e façam uma gestão prudente, devido aos riscos futuros do surto de covid-19. Segundo o regulador dos seguros, é necessário as seguradoras evitarem ações que possam implicar a sua descapitalização perante o risco de deterioração da situação financeira e de capital devido à crise trazida pela pandemia de covid-19.

“Mesmo que esse risco não se afigure imediato, devem estas abster-se de efetuar distribuições de dividendos, uma vez que tais atos impedem ou dificultam, de forma grave, a gestão sã e prudente da empresa de seguros”, lê-se nas recomendações enviadas às seguradoras.

Quanto à relação das seguradoras com os clientes, a ASF recorda que muitos estão a ser afetados pelo surto, pelo que pede às seguradoras que sejam “flexíveis” no tratamento das situações que lhes forem apresentadas, procurando ir ao encontro das suas necessidades.

Por outro lado, as seguradoras que operam em Portugal vão constituir um fundo solidário de 1,5 milhões de euros para apoiar os familiares de profissionais de saúde e outros que tenham morrido após contraírem a covid-19 no exercício da sua profissão. “O fundo vai apoiar os familiares de profissionais de saúde e outros que, durante o período do estado de emergência e no exercício da sua profissão ou de missão voluntária, tenham testado positivo a doença covid-19 e, em consequência dela, tenham falecido ou venham a falecer”, lê-se num comunicado divulgado ontem.

Para além dos profissionais da área da saúde, são abrangidos os profissionais das forças e serviços de segurança e de socorro, incluindo os bombeiros voluntários e os profissionais das Forças Armadas, da emergência médica e da proteção civil, e ainda os profissionais e voluntários das atividades de apoio a lares de idosos e dos serviços funerários.

“O setor já demonstrou que tem os recursos e meios tecnológicos necessários para assegurar a capacidade de resposta que os seus clientes precisam no contexto de confinamento em que vivemos. Uma maior pro-atividade do setor no sentido de estender o nível de garantias – nomeadamente no que respeita à cobertura de perdas de exploração decorrentes de riscos de pandemia como o Covid-19 – já carece de uma solução de pool que tem que entrar na lista de prioridades do governo”, conclui à Executive Digest Nuno Sapateiro, associado coordenador das áreas de Bancário e Financeiro e Mercado de Capitais da PLMJ.

 

 

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