
Pai da ministra da Habitação condenado por usurpação de funções. Fez-se passar por advogado
O pai da ministra da Habitação, Marina Gonçalves, fez-se passar profissionalmente por advogado. A denúncia, trazida esta quinta-feira a público pela revista ‘Sábado’, chegou às mãos da ex-procuradora-gera da República, Joana Marques Vidal, e foi apresentada por um antigo juiz de Direito. “Está em curso um crime público, logo o interesse público, ferido nas instituições onde mais prementemente se impõe a sua defesa, já que a atuação ilícita (…) ocorre nos próprios tribunais, com a complacência do legítimo representante do Estado nesses órgãos de soberania”, pode ler-se.
Manuel Carlos Falcão exerce advocacia na comarca de Caminha de 1988 mas foi condenado, em março de 1991, a oito meses de prisão pelo crime de usurpação de funções, depois ter ter confessado “integralmente os factos constantes da acusação”. A pena foi suspensa por dois anos devido à “confissão e arrependimento”, assim como pela “disposição demonstrada de não reincidir”.
Uma vez cumprido o período de suspensão da pena, regressou com um estágio sob o patrocínio do advogado Narciso Correia, em Caminha: é realizada a inscrição na Ordem dos Advogados em novembro de 1995 mas o regresso de Manuel Falcão à atividade foi encarado com enorme desconfiança por magistrados e colegas de profissão. Assim, em 2013, sob alegações de que o certificado de habilitações literárias era falso, o juiz Luís Guerra denunciou-o ao Ministério Público.
No certificado, é possível ver-se registos de avaliação como “reprovado” e outras como tendo sido realizadas em novembro de 1986, três meses depois de ter concluído a licenciatura em Direito. Nos autos, segundo a publicação semanal, existem ainda documentos do Ministério da Educação em que se verifica que, em alguns casos, as classificações mencionadas não têm, sequer, correspondência com as da certidão de habilitações.
“É uma ousadia questionar a veracidade do meu certificado de habilitações”, defendeu Manuel Falcão, pai da ministra Marina Gonçalves, referindo que “todos os atos” em que interveio “foram praticados na qualidade de advogado, com inscrição válida e em vigor, pelo que, nunca e em caso algum (…) poderão vir a ser considerados nulos”.
No entanto, um documento, elaborado por magistrados e advogados, concluiu que o certificado de habilitações “é manifestamente falso e que “é grosseira a diferença” entre as assinaturas que nele constam daquelas fornecidas pela Universidade Livre, defendendo que ao crime de usurpação de funções deve igualmente ser-lhe imputado o de falsificação intelectual. O inquérito de 2013 foi instaurado pela mesma procuradora que acusou Manuel Falcão em 1990 e estava tudo preparado para que fosse novamente acusado. No entanto, o inquérito viria a ser arquivado em maio de 2014.
O motivo? Não “terem sido recolhidos elementos que permitam infirmar a autenticidade do certificado de habilitações” de Manuel Falcão. A discrepância entre as datas da alegada conclusão da licenciatura e da realização dos exames, assim como a “inexistência de registo de aproveitamento” a seis unidades curriculares, falta sublinhada pela Direção-Geral do Ensino Superior, foram desvalorizadas na apreciação jurídica do Ministério Público.
Marinho e Pinto, antigo bastonário da Ordem dos Advogados, é taxativo: “Ele continua a usurpar funções”, defendendo que todos os atos em que Manuel Falcão “interveio como advogado deveriam ser anulados”. No caso específico, garantiu que fez o que competia: reencaminhou a queixa para o Conselho Regional do Porto, onde Manuel Falcão está inscrito, “que era quem tinha competência, porque estes assuntos não são uma competência do bastonário”. “Serão os tribunais que irão decidir”, precisou.
Mesmo assim, em 2009, envolto em suspeitas, Manuel Falcão, indicado pelo Partido Socialista, viu o Plenário da Assembleia elegê-lo para primeiro suplente do Conselho Superior do Ministério Público, cujos membros são escolhidos de “entre personalidades de reconhecido mérito”, ficando responsável pela “avaliação do mérito profissional, de classificação, disciplinar e permanente” dos quadros do Ministério Público.