
Os segredos desta ‘Zona Silenciosa’ onde telemóveis, wi-fi ou micro-ondas são proibidos
À medida que os visitantes se aproximam da pequena localidade de Green Bank, na Virgínia Ocidental, encontram sinais de aviso informando que estão a entrar na “Zona Silenciosa” – uma área onde a utilização de telemóveis, Wi-Fi e até micro-ondas é estritamente proibida. Esta singularidade transformou a localidade num refúgio para aqueles que procuram escapar da tecnologia moderna e para pessoas que se identificam como “eletrossensíveis”, acreditando sofrer sintomas provocados por campos eletromagnéticos.
A razão para estas restrições reside no Green Bank Observatory, um dos centros de investigação astronómica mais importantes dos Estados Unidos. O local abriga o maior radiotelescópio orientável do mundo, o Robert C. Byrd Green Bank Telescope, utilizado para estudar a origem do universo e procurar sinais de vida extraterrestre. Qualquer interferência eletromagnética poderia comprometer as observações científicas, levando à proibição de dispositivos que emitam radiofrequências.
Dentro de uma área de quatro milhas ao redor do telescópio, a aplicação das restrições é rigorosa. O funcionamento de aparelhos elétricos que possam causar interferência é ilegal, sendo punível com multas que rondam os 50 dólares por infração. Os estabelecimentos comerciais chegam a revestir as suas fachadas com tinta de chumbo condutora para minimizar emissões eletromagnéticas.
A realidade de Green Bank atraiu a atenção de várias produções, incluindo o documentário Small Town Universe, recentemente estreado em Nova Iorque, e o livro The Quiet Zone, de Stephen Kurczy. A realizadora do documentário, Katie Dellamaggiore, revelou que se inspirou para o projeto após perceber que dependia excessivamente do telemóvel. “Perguntei ao meu marido se existia alguma cidade sem telemóveis e, ao fazer uma pesquisa online, descobri Green Bank”, afirmou. Durante as filmagens, Dellamaggiore aprendeu a reduzir a sua dependência tecnológica, chegando a encarar os momentos de tédio como oportunidades de introspeção.
Os residentes de Green Bank, que somam cerca de 250 pessoas, levam um estilo de vida significativamente diferente do resto dos Estados Unidos. A localidade faz parte de uma área maior conhecida como National Radio Quiet Zone, com cerca de 13 mil milhas quadradas, onde as restrições à tecnologia são aplicadas em diferentes graus. Os habitantes, que se autodenominam “povo das montanhas”, distinguem-se dos visitantes, a quem chamam “planadores” ou “vindo-de-fora”. Até a viagem ao supermercado mais próximo é um desafio, exigindo um percurso de 160 quilómetros pelas montanhas.
Uma história cheia de segredos
Green Bank não é apenas um santuário para astrónomos e eletrossensíveis – a sua história está também envolta em teorias de conspiração. Perto dali, na cidade de Sugar Grove, o governo norte-americano operava uma estação de escuta secreta, alegadamente ligada à Agência de Segurança Nacional (NSA). Segundo Stephen Kurczy, “o verdadeiro motivo para a existência da Zona Silenciosa pode estar relacionado com a necessidade de proteger tanto o telescópio de Green Bank quanto as operações de vigilância de Sugar Grove”.
Há também rumores de que a área esconde infraestruturas subterrâneas ligadas ao governo dos EUA, como bunkers nucleares e instalações da CIA. O local abriga ainda o bunker Greenbrier, construído para abrigar o Congresso norte-americano em caso de guerra nuclear. Além disso, algumas teorias sugerem que montanhas próximas escondem mísseis e até evidências de vida extraterrestre.
Nos últimos anos, Green Bank tornou-se um destino para pessoas que afirmam sofrer de hipersensibilidade eletromagnética (EHS). Dellamaggiore entrevistou Sue Howard, de 56 anos, que se mudou para a cidade após anos de sofrimento com dores inexplicáveis, dores de cabeça e palpitações cardíacas, que associava à tecnologia sem fios. “A comunidade de Green Bank ofereceu-lhe a oportunidade de escapar da tecnologia moderna e encontrar um novo sentido de pertença”, explicou a realizadora.
O futuro da Zona Silenciosa está agora em risco, à medida que alguns residentes exigem maior acesso à tecnologia, enquanto os eletrossensíveis e astrónomos lutam para manter as restrições. Kurczy descreve o conflito crescente: “Muitos locais gostariam de ter mais tecnologia moderna, mas os eletrossensíveis temem perder um dos últimos lugares do mundo onde se sentem seguros”.
A tensão tem levado a episódios de hostilidade, com relatos de ataques indiretos contra os eletrossensíveis, incluindo a colocação de animais mortos nas suas caixas de correio como forma de intimidação. Dellamaggiore, que passou oito anos a documentar a cidade, alerta que a manutenção da zona livre de interferências se tornou cada vez mais difícil, especialmente devido à crescente presença de redes Wi-Fi em residências privadas.
“Embora eu compreenda o desejo por acesso a tecnologia moderna, é desolador pensar que uma das últimas zonas silenciosas intencionais possa deixar de existir. Devemos lutar para preservar este local único no planeta”, conclui a realtizadora.