
O silêncio que esconde medo: o que diz a psicologia sobre quem evita sempre o conflito
Guardar silêncio pode ser sinal de autocontrolo e maturidade emocional — mas quando o silêncio se torna regra, especialmente diante de conflitos, os psicólogos alertam que este comportamento pode ocultar feridas emocionais profundas, baixa autoestima ou traumas não resolvidos. Em declarações à imprensa espanhola, os especialistas Juan Ignacio Sanz e Buenaventura del Charco Olea analisam o que se passa na mente das pessoas que evitam sistematicamente o confronto.
Segundo o psicólogo clínico Juan Ignacio Sanz, do centro terapêutico Estar Contigo, “guardar silêncio pontualmente num conflito não é necessariamente negativo; pelo contrário, pode demonstrar uma boa capacidade de regulação emocional”. No entanto, quando este comportamento se torna constante, pode indicar um padrão psicológico de “evitação”.
“Estas pessoas não fogem apenas do conflito em si, mas das emoções dolorosas que ele pode provocar. Evitam o confronto porque não se sentem capazes de lidar com as consequências emocionais, preferindo evitar a dor a qualquer custo”, explica o especialista.
Sanz acrescenta que o medo de perder vínculos afetivos está muitas vezes na origem deste padrão. “A insegurança, uma má autoimagem, o receio de errar ou de fazer figura ridícula levam muitas pessoas a não se expressarem. Ao evitar o conflito, acreditam que se protegem do julgamento, do ridículo e, sobretudo, do abandono”, afirma.
Um passado violento pode moldar o silêncio
Outro fator importante que leva à evitação do conflito é o contexto familiar e social em que uma pessoa cresceu. Sanz refere que “quem foi criado num ambiente marcado pela violência ou agressividade pode desenvolver uma forte aversão ao conflito”.
Nestes casos, o silêncio é um mecanismo de defesa. “Sempre que estas pessoas se veem envolvidas num confronto, o sistema de alerta ativa-se, relembrando episódios anteriores de dor e trauma. Perante essa ameaça, preferem calar-se para se protegerem emocionalmente”, observa o psicólogo.
Quando a cultura do “bonzinho” impede de reagir
O psicólogo, escritor e docente universitário Buenaventura del Charco Olea vai mais além e identifica três motivos adicionais para este silêncio recorrente, que não estão diretamente relacionados com o medo do conflito, mas com outros padrões emocionais e culturais enraizados.
A primeira razão, explica, é a culpa associada à expressão da raiva. “Algumas pessoas, fortemente influenciadas por uma cultura ‘bonzinha’, veem a raiva como algo negativo, quase perverso. Acham que, ao defendermo-nos, estamos a ser maus. Por isso, preferem ficar em silêncio, mesmo quando sabem que podiam ou deviam reagir”, diz.
Del Charco cita o autor Nathaniel Branden, que demonstrou como esta raiva reprimida pode voltar-se contra a própria pessoa, transformando-se em culpa. “Assim, entra-se num ciclo vicioso: não me defendo, sinto culpa, e por isso defendo-me ainda menos.”
“O meu sofrimento não importa”
A segunda razão prende-se com uma autoestima fragilizada. “Há quem tenha interiorizado que o seu sofrimento não tem valor. Defendem os outros, mas não conseguem defender-se a si próprios”, indica Del Charco.
Esta desvalorização pessoal é frequentemente resultado de experiências de abandono, humilhação ou desprezo na infância. “Sem autoestima nem compaixão por si próprios, estas pessoas não veem utilidade em lutar pelo que sentem. Se acreditam que o seu sofrimento não conta, para que confrontar quem o provoca?”, questiona o psicólogo.
Por fim, Del Charco destaca os bloqueios emocionais resultantes de traumas passados. “Há pessoas que estão tão desligadas das suas emoções que, mesmo que o conflito não lhes seja insuportável por si só, são incapazes de reagir. Esta desconexão deve-se, muitas vezes, a traumas vividos em situações em que se sentiram indefesas.”
Esses episódios traumáticos — frequentemente vividos na infância — moldam a perceção de impotência e geram um padrão de imobilidade. “Estas pessoas não reagem porque, emocionalmente, ainda se sentem presas àquela sensação de que não há nada que possam fazer.”
Um comportamento que exige compreensão, não julgamento
Evitar o conflito de forma sistemática não é apenas uma questão de personalidade, mas muitas vezes uma resposta complexa a experiências emocionais passadas. Embora o silêncio possa, por vezes, parecer sinal de equilíbrio, a psicologia alerta que também pode ser um reflexo de insegurança, medo, baixa autoestima ou traumas não superados.
Como conclui Juan Ignacio Sanz, “quando o silêncio se torna uma armadura permanente, é essencial compreender o que está a ser escondido por detrás dele e, se necessário, procurar ajuda para quebrar o ciclo de evitamento”.