O que se pode aprender com o birdwatching?

A casa de férias no campo passou a residência principal. A oito quilómetros de Ponte de Lima e a 20 de Braga encontra-se a localização actual de Pedro Norton de Matos, desde há três anos. Para o gestor, que já foi CEO de grandes empresas, como a Unisys e a ONI, agora é essencial falar de reconexão com a natureza, de banhos de floresta diários, de biorritmos e de ar puro. É neste habitat que tira o pulso à fauna e à flora, longe dos pólos urbanos e do betão, e reencontra o equilíbrio.

Mas o hábito não é de agora. Tinha então dois meses, quando foi viver para uma quinta no Minho e passado um ano, o pai, engenheiro agrónomo, foi destacado para um projecto agro-industrial, no mato, em Moçambique, até aos seus três anos. Pedro Norton de Matos aprendeu a andar e a brincar no meio rural. «Há coisas que não sabemos se nascem connosco ou são adquiridas, mas acho que foi um misto», explica. A isto acresce o facto de ter tido sempre acesso a jardins e de todos os anos passar férias no solar da família, pelo menos durante um mês, em permanente contacto com a natureza.

Ao todo, são sete irmãos e todos têm bem gravado na memória o campo, «em especial os cheiros da terra», lembra. Mas talvez Pedro Norton de Matos seja o que mais entusiasmo tem pelo tema, e o que mais horas lhe dedica.

Lê, estuda, recupera documentários, procura revistas, descobre livros e põe as mãos na terra. Não é por isso de estranhar que entre as suas principais referências esteja Félix Rodrigues de la Fuente [médico e apresentador do programa de televisão “Amigos dos Animais”] e David Attenborough [voz e apresentador de programas da BBC].

BIRDWATCHING

Rodeado de biodiversidade, Pedro Norton de Matos começa a ser um observador e sem dar conta inicia-se no birdwatching. «Mas o que pratico não deve ser entendido como algo isolado, além dos pássaros, observo o ecossistema, o habitat onde vivem», detalha.

A prática, iniciou-a em solo e mar português, acompanhado de binóculos e máquina fotográfica. Mas tomou-lhe o gosto e já se deu ao trabalho de a conciliar com destinos de viagens. Foi assim com o “gallito de las rocas” no Perú e um dos psitacídeos da Amazónia peruana. «Vi num programa no National Geografic que, na Amazónia do Perú, umas araras vão a uma ravina comer argila. Ingerem-na como depurador, para compensarem a toxicidade de algumas sementes. Observamos, de um local privilegiado, um espectáculo grandioso, com centenas de aves de muitas cores.» Mas histórias idênticas não lhe faltam. Pantanal, Costa Rica, Quénia, Tanzânia, Angola ou Namíbia, são alguns dos seus destinos eleitos e que lhe têm recheado a vida de memórias. A próxima paragem já está escolhida. Papua Nova Guiné para observar as “aves do paraíso”, pela sua beleza, cores e rituais de acasalamento. «O macho para atrair a fêmea faz várias casas e decora-as», detalha. Em Portugal, de Norte a Sul, a elevada concentração de diferentes habitats atrai uma grande diversidade de espécies. Por isso, inclui nos locais predilectos estuários, com as aves limícolas, serras e jardins da cidade. «Por exemplo, quem vá a Monsanto depara-se com o maior pulmão urbano de Lisboa. Agora, os melhores sítios são os mais afastados da mão do Homem.»

Pedro Norton de Matos fala de toutinegras, gaios, carriças, chapins tanto como de espécies mais comuns, as pêgas, pavões, rolas, estorninhos, gansos, albatrozes, piscos, pombos, gaivotas, pardais e melros. «Conheço 99% das aves que por cá vivem ou cruzam a sua rota, pelo canto, voo, plumagem, dimorfismo sexual. A maioria dos pássaros machos é mais vistosa, como os pavões. Nos papagaios é difícil determinar o sexo. Também conheço as épocas, locais e materiais de nidificação. Sei distinguir um ninho de rola brava, da de um estorninho ou ave de rapina. Por exemplo, a carriça, o pássaro mais pequeno português com 9 cm, faz um ninho em bola.»

Mas o que mais o impressiona é que muitas das recentes descobertas do Homem, a natureza já as conhecia. «Sempre foi uma fonte de inspiração. É um laboratório vivo com quatro mil milhões de anos, muitas das respostas aos nossos desafios de desenvolvimento e prosperidade, a natureza já os tem resolvidos», explica, enquanto conta que é assim que retira ensinamentos de liderança, gestão, cidadania, cooperação e não desperdício ao reino animal.

«A natureza é economia circular, nada se desperdiça. Quando se está a estudar a condução autónoma de um automóvel, a harmonia dos voos em bando dos estorninhos, abelhas e cardumes são analisados. Ou o facto de mais facilmente se atacar um pássaro isolado do que em grupo. Bando significa força, união e protecção. Os pássaros são muito territoriais, tal como nós. Só numa árvore pode haver diferentes espécies de pássaros a dominar diferentes zonas da árvore», conta.

E fica encantado com a forma como os gansos passam nos Himalaias, a mais de oito mil metros de altitude, sem máscara. Como um bando adopta a forma anatómica de um V durante o voo, simplesmente para cortar a erosão e poupar energia, e como revezam a liderança. Ou ainda as espécies monogâmicas, como o albatroz, que põe um ovo e está muito tempo sem vir a terra. «É uma vida, em casal, isolada, não vive em bando e acasala para toda a vida.»

O gestor está preocupado com o facto de todos os anos desaparecem espécies, ainda que sejam descobertas outras tantas. «Mas há fenómenos que se desconhecem por completo. Andorinhas que vêm da África do Sul e vão até ao Norte da Europa. Pássaros que habitualmente não passavam por cá e agora fazem-no.»

A sua dedicação à prática fá-lo distinguir um pintassilgo, de um tentilhão ou de uma carriça pelo simples canto. Mavioso, trinado ou simples, sabe a diferença de uma toutinegra e de um pisco. E à noite também tem os seus preferidos: o mocho, a coruja e o noitibó.

Já há algum tempo que não pega nos binóculos e se embrenha em florestas densas, mas as incursões nos safaris domésticos são diários. Não há um único dia que passe que não aviste um pombo, pardal ou melro no quintal. Agora, dá por si a contar histórias às netas, a comprar-lhes livros, a transmitir-lhes conhecimento e a refinar-lhes o gosto. «As minhas netas vão ser biólogas, mas não sabem ainda. Têm tido uma educação de campo, de que os animais têm o seu espaço e o seu lugar», partilha o gestor, que ainda divide o tempo com Lisboa. Embora seja na floresta que recarrega, se reconecta e humaniza.

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