O próximo café que pedir pode vir com aumento de preço em mais de dois dígitos

Os consumidores estão a enfrentar aumentos significativos nos preços do café, com algumas marcas a aplicar subidas que podem chegar aos 25%. Grandes torrefatoras como Lavazza, Illy, Nestlé e JDE Peet’s, fabricante do Douwe Egberts, estão em negociações com os retalhistas para repassar os custos crescentes, resultantes de um aumento drástico nos preços do café arábica ao longo do último ano.

O preço da matéria-prima disparou devido a quatro anos consecutivos de défice na produção, agravados por condições meteorológicas adversas que dificultam o cultivo do arábica. Com a oferta limitada, os torrefatores pressionam por aumentos de preço, enquanto os supermercados resistem, adiando a assinatura de novos contratos de fornecimento. Essa disputa tem levado a falhas no abastecimento, como aconteceu nos Países Baixos, onde a cadeia de supermercados Albert Heijn ficou temporariamente sem produtos da JDE Peet’s, incluindo as marcas Douwe Egberts e Senseo.

Os produtos voltaram às prateleiras a 20 de março, mas com preços mais elevados. “Os preços de compra da JDE aumentaram significativamente. Vamos absorver parte deste aumento para manter os produtos acessíveis”, afirmou um porta-voz da Albert Heijn.

A JDE Peet’s alertou que a sua rentabilidade deverá diminuir este ano devido aos custos crescentes do café. A empresa revelou que o impasse com os compradores nos Países Baixos e na Alemanha levou à retirada temporária de alguns dos seus produtos das prateleiras. No entanto, assegura que 90% das negociações de preços a nível global já foram concluídas.

O preço do café arábica, amplamente utilizado em misturas de café moído, aumentou mais de 20% este ano, depois de um salto de 70% no ano passado. O Brasil, que responde por cerca de metade da produção mundial de arábica, sofreu uma das piores secas da sua história, reduzindo drasticamente a produção.

De acordo com Reg Watson, diretor de pesquisa de ações do banco holandês ING, os grãos crus representam cerca de 40% do custo por atacado de um saco de café torrado e moído. Se o aumento do preço da matéria-prima fosse totalmente repassado aos consumidores, isso equivaleria a uma subida de 28% no preço final. Watson estima que os aumentos variem entre 15% e 25%, com algumas regiões a sentir o impacto de uma só vez.

Aumento de preços no Brasil
Nos países onde a moeda local desvalorizou face ao dólar, os aumentos são ainda mais acentuados. No Brasil, que é simultaneamente o maior produtor mundial e o segundo maior consumidor, a torrefatora 3 Corações elevou os preços do café torrado e moído em 14,3% a 1 de março, após aumentos de 11% em janeiro e 10% em dezembro, conforme documentos enviados a clientes e vistos pela Reuters. A empresa não comentou o assunto.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), os aumentos no país são mais expressivos devido à forte valorização dos grãos crus, que subiram 170% em reais no ano passado. Como consequência, os preços nas prateleiras aumentaram 40% e novas subidas são esperadas ainda este mês.

“As pessoas já estão a racionar o consumo e a mudar hábitos. Se antes faziam um grande termo de café para toda a família, desperdiçando o excedente, agora cortam no desperdício”, explicou Pavel Cardoso, presidente da ABIC.

Queda no consumo e mudança de hábitos
Dados da empresa de pesquisa de mercado Nielsen revelam que o volume de café torrado e moído vendido na América do Norte e na Europa caiu 3,8% no ano passado, enquanto os preços subiram 4,6%. Com os aumentos previstos para este ano, a tendência de queda no consumo deverá intensificar-se.

Nos Estados Unidos, a J. M. Smucker, fabricante do Folgers, prevê uma redução no volume de vendas no ano fiscal que começa em maio, devido a novos aumentos de preços. A empresa, que também produz as marcas Dunkin e Café Bustelo, já havia aumentado os preços em junho e outubro do ano passado.

A pressão dos consumidores para conter os custos tem levado a um aumento na procura por marcas de distribuidor, como a linha “finest” da Tesco. Estes produtos, produzidos internamente pelos supermercados, oferecem opções mais acessíveis e reduziram a quota de mercado das grandes torrefatoras.

Dados da Circana, empresa de pesquisa de mercado sediada em Chicago, mostram que, entre 2021 e 2024, a participação das marcas brancas no mercado de café nos EUA cresceu de 20,51% para 23,12%, refletindo a preferência dos consumidores por alternativas mais baratas.

Enquanto isso, torrefatoras e traders estão a reduzir a compra de café, uma vez que enfrentam dificuldades em repassar os custos aos supermercados. Um executivo do setor de armazenamento revelou que os depósitos de café próximos aos portos dos EUA estão com apenas metade da capacidade normal.