O peru veio do Peru? E em inglês (turkey) tem origem na Turquia? A solução deste imbróglio linguístico

A história do peru – a ave – e o nome que ela carrega em diferentes partes do mundo é uma mistura fascinante de erros de identidade, rotas comerciais e interpretações equivocadas. Apesar de associarmos o peru (ou turkey, em inglês) a países como o Peru ou a Turquia, a verdade é que esta ligação não tem qualquer fundamento.

O peru, domesticado há séculos pelos astecas no México e por tribos indígenas do sudoeste dos Estados Unidos, foi introduzido na Europa pelos conquistadores espanhóis. No entanto, a ave não tem qualquer relação com o Peru, país onde os incas dominavam a região e onde esta espécie não era encontrada.

A confusão do nome “peru” pode ter surgido porque os portugueses, ao se depararem com a ave trazida das Américas, assumiram incorretamente que ela era originária do Peru, nome já atribuído à região sob domínio espanhol. Este nome, por sua vez, deriva de Birú ou Virú, um chefe indígena do sul do Panamá, cuja designação foi expandida para abranger as terras conquistadas por Francisco Pizarro no século XVI.

Turkey: entre aves africanas e americanas
Já o nome “turkey”, usado em inglês para o peru, é fruto de duas confusões. Antes do contacto com a ave americana, os europeus conheciam uma espécie africana chamada galinha-d’Angola (guinea fowl). Esta ave era trazida para a Europa através de rotas comerciais controladas pelos otomanos, e os britânicos associaram-na à Turquia, referindo-se a ela como turkey cock e turkey hen.

Quando os colonos ingleses chegaram à América e encontraram o peru selvagem, notaram semelhanças com a galinha-d’Angola e assumiram, erroneamente, tratar-se da mesma espécie. Assim, começaram a chamar ao peru o mesmo nome: turkey.

De acordo com Michael Adams, linguista e professor na Universidade de Indiana, este erro reflete um padrão humano: “Quando as pessoas veem algo desconhecido que se assemelha a algo familiar, tendem a usar o mesmo nome.”

Os nomes do peru pelo mundo
As confusões linguísticas não param por aí. Em várias línguas, o nome do peru faz referência a países ou regiões que nada têm a ver com a origem da ave. Em hebraico, turco, italiano e russo, o peru é associado à Índia. Holandeses, indonésios e lituanos chamam-lhe “pássaro de Calicute”, cidade na Índia. No Camboja e na Escócia, é conhecido como “frango francês”, enquanto na Malásia o apelidam de “frango holandês”. Nos países árabes, pode ser chamado de “romano”, “grego” ou “etíope”.

Já portugueses, brasileiros, croatas e havaianos optaram por chamá-lo de “peru”. Seja qual for o nome, todas estas associações estão erradas: o peru deveria ser chamado de “mexicano” ou “americano”, dado que é originário do centro e norte da América.

E a Turquia?
O nome “Turkey”, usado para designar a Turquia em inglês, não está relacionado com a ave. O termo deriva dos habitantes do território, os turcos, e já era usado na língua inglesa durante o período do inglês médio (1150–1500). Referências ao país podem ser encontradas em textos como The Canterbury Tales de Geoffrey Chaucer e em obras do século XV, como The Siege of Jerusalem.

Com o passar do tempo, a confusão foi esclarecida: o peru americano e a galinha-d’Angola africana não são da mesma espécie. No entanto, os nomes atribuídos à ave permaneceram. Enquanto o termo “turkey” deixou de ser usado para a galinha-d’Angola, o peru manteve esse nome em inglês e noutros idiomas.

No fundo, como explica Michael Adams ao jornal DB, esta confusão linguística é um lembrete de que os nomes que damos às coisas nem sempre têm uma base científica: “As palavras que usamos não estão necessariamente ligadas de forma lógica às coisas que descrevem.”

Seja como peru ou turkey, a ave tornou-se um símbolo de tradições como o Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos e de muitas outras celebrações ao redor do mundo, mantendo vivo um curioso legado de erros históricos e culturais.